Transcrição Ex Libris – S01e17

S01e17 Cannabis

[Comportamento Humano] – O Pragmatismo Social 

Olha Mary Jane, como a legalidade está revigorando a economia de pequenas comunidades decadentes!

Olá, eu sou Sérgio Vieira e este é o 17º episódio da primeira temporada do Ex-Libris, um podcast rápido e ligeiro sobre Política, Comportamento Humano, Ciência, Tecnologia e Cultura. A cada episódio um tema. 

Seja bem vindo e espero que o Ex-Libris esteja atendendo suas expectativas. Diz aí… eu estou acertando? Eu preciso saber o que você acha disso aqui. 

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Começa agora o Ex-Libris sobre Comportamento Humano de 11 de dez de 2018.

Neste episódio analiso O Pragmatismo Social ou Olha Mary Jane como a legalidade está revigorando a economia de pequenas comunidades decadentes.

A cada ano nos meses de outubro a dezembro inúmeros jovens se deslocam para a região norte da Califórnia dos EUA em busca de trabalho temporário.

Você poderia pensar que são chicanos buscando mais uma lavoura que não seja a cana, ou a laranja… Mas não, a garotada vai trabalhar na colheita e apara de Cannabis sativa destinada às lojas legais de alguns estados, e claro também para os mercados ilegais de todo os Estados Unidos.

Enfurnado nas florestas do condado de Mendocino, acessível por uma estrada de duas pistas que serpenteia entre colinas, está a pequena cidade de Covelo com cerca de 2 mil habitantes, onde centenas de trabalhadores sazonais convergem todos os anos ansiosos para ajudar na colheita mais lucrativa da região – a maconha.

Esses trabalhadores conhecidos como “trimmigrants” (junção das palavras trimmer – cortador e immigrants – imigrantes), pacientemente cortam as folhas desgrenhadas e os caules frágeis dos botões de maconha, aparando cada um deles em um botão verde compacto, preparado assim para ser fumado em bongs ou ser processado para “aditivar” vaporizadores e alguns produtos alimentícios.

Algumas pessoas nem sabem que um botão precisa ser aparado. Não há arbusto perfeito, assim os cortadores fazem isso, aparam os brotos de planta. Os compradores querem apenas brotos de maconha perfeitos, que pareçam ter saído de uma linha de produção.

Aparar a erva é uma rotina diária tediosa, exigindo horas de trabalho manual. Depois de embelezados os brotos são encaminhados para a comercialização legal da Califórnia.

Milhares de jovens trabalhadores passam várias semanas, com bandejas de maconha no colo, trabalhando no chamado Triângulo Esmeralda do norte da Califórnia, um trio de condados conhecidos por cultivar grande parte da cannabis americana.

São jovens de várias nacionalidades, alguns ilegais, que assim que chegam a Covelo ficam na frente da biblioteca da cidade, assim “de bobeira”, aguardando os fazendeiros perguntarem se eles procuram trabalho.

Mas a colheita e preparo da maconha não é um serviço tão lucrativo como antes. A legalização da maconha recreativa na Califórnia e em outros estados norte-americanos inundou o mercado derrubando os preços, desanimando um pouco os produtores.

Como os riscos legais de cultivo diminuíram, a concorrência entre as fazendas corporativas e o mercado negro aumentou. Uma década atrás, a maconha era vendida por cerca de US$ 4 mil o kg, atualmente os produtores têm sorte quando recebem US$ mil por kg, e isso significa salário menor para o corte.

Os aparadores são pagos por peso, portanto, todas as manhãs a corrida é para podar o máximo possível de maconha. O aumento do cultivo da cannabis derrubou os salários de US$ 500 para US$ 250 por kg. A média por trabalhador é de quase 1kg de botão de maconha aparada por dia, cerca de US$ 200 por 9 horas de trabalho.

Às vezes, se têm sorte, os aparadores alcançam um estado de foco hipnótico enquanto cortam a aparente interminável colheita de cannabis. Alguns chamam esse estado de concentração embalado pelos movimentos repetitivos e pelo cheiro de maconha que permeia as instalações de “dimensão verde”.

Apenas cheiro sim… eles não fumam o produto da colheita durante o trabalho. A produção e o dinheiro são mais importantes que o prazer.

Um dos jovens cortadores – a maioria tem entre 23 e 28 anos – esclarece:

 “Quando você tem a erva certa, as pessoas certas em volta, a vibração certa, você não pensa em mais nada e apenas faz o que gosta por horas”.

Para se manterem firmes – e mais ou menos sãos – os aparadores da fazenda mantêm uma dieta constante de chá, música, podcasts (olha nós aí) e audiolivros, incluindo todas as 12 horas de Silmarillion de Tolkien e todo o cânone de Terence McKenna, o filósofo norte-americano que defendia o uso de plantas “psicodélicas”.

Mas o dia-a dia-não é tão na “brisa” como leva a crer este sistema de trabalho. A combinação de maconha e vizinhança ocasionalmente explode em violência. Sete aparadores foram acusados de participar do brutal assassinato e roubo de um agricultor de cannabis lá em Mendocino em 2016. Em junho de 2018, um homem de New Hampshire foi condenado por espancar um colega, trabalhador temporário, até a morte em uma fazenda de maconha de Covelo após um desentendimento sobre a cão da vítima.

De muitas maneiras Covelo é o Oeste Selvagem da erva. A cidade fica a uma hora e meia da delegacia mais próxima. Os bosques de maconha estão praticamente em todos os lugares, em estufas escondidas dentro de altas paredes de madeira e atrás de lonas pretas em casas situadas nas colinas da cidade.

Há quase uma paranóia dos envolvidos na principal indústria da cidade, principalmente pelo medo de serem assaltados. Produtores instalam câmeras e alarmes de segurança mesmo estando no meio do nada. O lugar é meio sem lei mesmo.

Se há algo que une os produtores, aparadores, justiça e agências de segurança, é a preocupação com os cartéis de drogas mexicanos. Há anos, grupos criminosos cultivam ilegalmente milhões de plantas de maconha em terras públicas e privadas na região. Para sustentar suas operações os cartéis – sempre fortemente armados – desviam água de rios e córregos e envenenam o ambiente com fertilizantes tóxicos e pesticidas, deixando para trás centenas de milhares de quilos de lixo. As autoridades gastaram milhões de dólares tentando erradicar as operações dos cartéis, que continuam a assolar a área e seus moradores.

Mas os aparadores dizem que os cartéis não são o problema principal. Uma chicana originária de Tijuana de 23 anos que começou a trabalhar com a cannabis há cinco anos – e dorme nesta temporada em um contêiner que o produtor usa para secar a maconha – tem sua cota de histórias de horror. Desde desavenças com produtores inescrupulosos que se recusaram a pagá-la; passando por uma situação onde um policial a troco de nada apontou uma arma engatilhada para sua a cabeça e depois aos berros dispensou; claro, vários casos de assédio sexual; e terminando com o desaparecimento de duas de suas amigas.

Mesmo assim, ela afirma que adora cortar maconha em Covelo, onde pode 

“ganhar milhares de dólares por temporada e conhecer jovens de países tão distantes quanto a Etiópia. É uma pequena parada mágica do universo” – disse ela

Uma outra pequena “parada mágica deste universo meio esverdeado” fica ao noroeste de Covelo, bem perto da fronteira com o Arizona e Nevada ao longo da famosa Route 66.

Needles – e seus prédios degradados – fica a oeste do rio Colorado, no Vale do Mojave, perto do famoso Vale da Morte onde sua temperatura máxima chega a 49ºC. A cidade foi batizada em homenagem aos picos pontiagudos encontrados no extremo sul da cordilheira de Sacramento, pertinho da cidade.

A histórica Rota 66 corta Needles. Esta é a estrada que levou para o oeste muitos colonos do sul da Califórnia no século 20, durante a migração da década de 1930 bem na era da Dust Bowl.

[Parênteses]

Explicando o que foi o Dust Bowl: Este foi o nome dado ao fenômeno climático que gerou uma série de tempestades de pó e areia que varreram as High Plains (ou Planícies Altas que abrangem estados como Colorado, o Kansas, Nebraska, Montana, Novo México, Oklahoma, Texas e Wyoming) bem na década de 1930 e que durou quase 10 anos. Foi um enorme desastre econômico e ambiental que afetou severamente todo os Estados Unidos. Na realidade o evento ocorreu em três épocas distintas (em 1934, em 1936 e entre 1939 e 1940), mas algumas dessas regiões experimentaram condições de seca por quase 8 anos. As tempestades de areia foram provocadas por anos de práticas inadequadas de manejo do solo, o qual se tornou susceptível às forças do vento, provocando uma seca induzida pelo alto nível de partículas de solo suspensas no ar. O solo, despojado de umidade, era levantado pelo vento em grandes nuvens de pó e areia tão espessas que escondiam o sol durante vários dias. Esses dias eram conhecidos como “brisas negras” ou “vento negro”.
Curiosidade: No filme interestelar o depoimento das pessoas sobre o período das tempestades de areia e pó são reais e referem-se aos anos 1930 nos Estados Unidos.

[Fechando os Parênteses]

Needles foi o primeiro entroncamento de trens de carga com destino a Los Angeles no século 19. Isso criou centenas de empregos. Needles também foi, literariamente, a primeira parada na Califórnia da família Joad no clássico de John Steinbeck “The Grapes of Wrath” (As vinhas da ira).

Mas, como muitas outras pequenas cidades a caminho de Los Angeles, mesmo histórica, Needles perdeu a sua importância. A estrada de ferro diminuiu os trens e as equipes, e o seu elegante edifício agora depósito está quase vazio.

Needles perdeu sua última mercearia em 2014. Mais de 25% dos moradores dela viviam abaixo da linha da pobreza então. Pouco a pouco, os empregos e as pessoas estavam partindo.

Jeff Williams, o novo prefeito, prendeu muita gente por vender maconha em seus dias como xerife do condado. Ele votou contra a legalização do uso da maconha no referendo estadual de 2016. Mas Williams também sabe que sua cidade já viu dias melhores.

Os empregos na estrada de ferro desapareceram em sua maioria. E as pessoas não passam mais na antiga Rota 66 como costumavam fazer.

Nota: ainda nas referências cinematográficas, qualquer semelhança até aqui com o enredo da animação Cars da Disney não é coincidência.

Então…  Williams, de 54 anos, tornou-se o improvável líder do esforço mais improvável ainda de transformar Needles em um novo tipo de cidade industrial dedicada ao crescente negócio da cannabis.

“Se uma pequena comunidade como esta não está crescendo, ela está morrendo, e é isso que justifica o que estamos fazendo” – disse Williams


O Conselho da Cidade nesta sólida e fervorosa comunidade republicana de 5 mil almas aprovou 81 permissões para negócios de cannabis desde 2015. Quatro lojas legais estão manipulando e vendendo maconha ao público, cerca de 100 vezes o número de lojas por pessoa em todo o estado.

Quase todos os quarteirões de Needles têm um prédio em ruínas que está sendo convertido em uma instalação de cultivo ou para a fabricação de óleos e produtos comestíveis derivados da cannabis. Se todos os projetos se concretizarem as autoridades locais esperam que eles gerem cerca de 2.100 empregos. Bem mais do que Needles têm no momento.

É difícil encontrar alguém na cidade que não esteja envolvido na indústria da maconha.

No primeiro mandato de Williams como prefeito de 2006 a 2010 (ele também foi membro da Câmara Municipal por 4 anos), ele tentou atrair a indústria solar. Quando isso falhou, ele vislumbrou uma oportunidade na maconha quando um amigo o questionou sobre a possibilidade de abrir uma loja de venda legal… em Needles.

Williams falou com muita gente, de professores a cientistas, sobre os possíveis benefícios e lentamente superou parte da antipatia em relação à droga que seus pais e seus anos como policial haviam instilado.

 “Foi como manobrar um navio petroleiro. Foi um longo processo” – Disse ele em uma entrevista recente.

Williams, que ainda não fumou maconha, trabalhou com a administração da cidade e advogados para montar uma legislação que impunha um imposto de 10% sobre os negócios de cannabis. Ela foi aprovada com 81% dos votos.

Nota-se que mesmo sendo muito conservadora politicamente – e mesmo com Trump na presidência – a cidade passa por uma onda de libertarismo.

As primeiras lojas de venda de produtos oriundos da cannabis da cidade ainda enfrentam a oposição, especialmente das igrejas evangélicas locais. Mas elas (as lojas, não as igrejas!) não conseguiram atrair a bandidagem que alguns esperavam. O crime tem se mantido estável nos últimos anos.

No restaurante mais antigo da cidade, uma pequena loja de souvenirs agora oferece bandeiras com a folha de maconha e placas comemorativas para a Rota 420, um código associado há tipos e entrega de maconha, juntamente com as antigas recordações da Rota 66.

Mesmo com a legalização da venda de maconha para uso recreativo por adultos a maioria das comunidades ainda não adotou as políticas de Covelo e Needles porque o uso recreativo da cannabis ainda é ilegal sob a lei federal.

Várias cidades da Califórnia com dificuldades econômicas aproveitam a oportunidade. Needles tem concorrência, além da cidadezinha de Covelo, de outras como Desert Hot Springs e Adelanto.

Com a produção e comercialização da cannabis surgiram alguns problemas. Meses depois da abertura das primeiras lojas em Needles, elas foram invadidas por agentes federais. Nenhuma acusação foi feita, mas os produtos apreendidos nunca foram devolvidos.

As autoridades federais recentemente prenderam funcionários públicos em Adelanto e os acusaram de dar permissões de manipulação e venda de maconha em troca de subornos e favores pessoais. O processo, “tá rolando”…

“Quando você abre a sua comunidade e diz: ‘Este é um lugar aberto para todos, entre,’ você corre perigo” – Disse um ex-prefeito de Adelanto que agora trabalha como advogado representando alguns dos funcionários acusados.

Os funcionários públicos de Needles estão bem conscientes dos seus riscos. Eles estão proibidos de aceitarem uma xícara de café que seja das empresas locais, e passam por testes regulares anti-doping.

Os funcionários públicos sabem que a indústria é tão importante para o futuro da comunidade que simplesmente não podem se dar ao luxo de estragar tudo.

Em uma reunião da Câmara Municipal em novembro de 2018, três dos cinco itens da agenda estavam relacionados à cannabis. Ninguém se opôs.

A maioria dos que se manifestaram eram donos das lojas de maconha, que pediam à polícia que adotasse uma linha mais dura sobre as vendas ilegais de drogas e o único momento de hesitação sobre a cannabis veio quando um dos vereadores propôs que a cidade abrisse as inscrições para uma quinta loja.

Os donos das 4 lojas existentes e presentes à reunião simplesmente disseram… NÃO. A maioria os acompanhou.

Lyn Parker, ex-professora, e secretária da câmara de comércio da cidade, disse que: 

“A maconha não foi a escolha que a maioria de seus membros teriam aprovado primeiramente. Mesmo assim, eles acataram a saída encontrada. Nós gostaríamos de uma pequena indústria aqui em vez disso? Claro! Mas nós vamos nos agarrar a qualquer coisa para ajudar a nossa cidade”.

Mas a oposição ferrenha permanece. Thomas Lamb, o pastor da Assembleia de Deus de Needles, disse que viu a maconha se tornar um problema maior para as crianças na escola primária que ele supervisiona.

Para apimentar a ira do pastor uma empresa de cannabis fez uma oferta para compra da propriedade de sua igreja e de sua escola, a qual foi veementemente negada.

“As pessoas que entraram em Needles querem comprar todas as propriedades disponíveis, incluindo nossa igreja, para fabricar seu produto. Francamente, isso é um pouco assustador” – Disse ele

As lojas que vendem cigarros de maconha e vapes pens (cigarros eletrônicos) são apenas uma pequena parte do negócio que a cidade imagina. Espera-se que muito mais dinheiro dos impostos venha de empresas que estão crescendo e fabricando produtos de maconha para outras partes do estado, como Los Angeles, onde as permissões para cultivo são muito mais difíceis de conseguir.

A proximidade da cidade ao Rio Colorado fornece uma fonte constante da água que as operações de maconha precisam. E Needles possui sua própria concessionária de energia elétrica, o que permite oferecer eletricidade a cerca de 1/4 do custo das cidades que dependem de serviços públicos. Isso é importante para o cultivo de maconha em ambientes fechados sob luzes artificiais.

A Vertical Companies, uma grande produtora de cannabis com sede perto de Los Angeles, comprou cerca de 30 acres em Needles. Tem uma planta industrial na periferia da cidade, com 3 novos edifícios e planos para mais 3.

Dois dos prédios abrigam 2 andares para o cultivo das plantas. O outro edifício é dedicado a instalações de produção, onde o cannabidiol e outros produtos da cannabis são extraídos laboratorialmente.

A Vertical também está transformando um velho Kentucky Fried Chicken na Rota 66 em uma cozinha para doces e assados feitos com óleos de maconha.

A indústria de cannabis deverá se tornar a maior geradora de receita fiscal na cidade. Já criou 350 postos de trabalho e parece ter levado a uma revitalização dos preços dos imóveis, que subiram nos últimos 2 anos depois de uma queda constante durante 9 anos seguidos. A Starbucks recentemente concordou em abrir sua primeira filial em Needles.

O principal perigo é a rápida expansão da indústria de cannabis em todo o estado, o que tende a diminuir os preços da maconha e tornar as pequenas instalações de Needles não rentáveis.

Enquanto a legalização do uso medicinal e recreativo da cannabis revigora pequenas comunidades em alguns estados norte-americanos ela provoca um outro tipo de movimento muito mais poderoso.

Aqueles que se preocupavam com a saúde dos norte-americanos devem ter se regozijado em novembro agora de 2018, quando o Centro de Controle e Prevenção de Doenças deles lá anunciou que as taxas de fumantes haviam caído para o seu menor nível na história registrada.

Apenas 14% dos adultos norte-americanos fumaram cigarros em 2017, em comparação com cerca de 42% em 1965. A tendência é uma benção para a saúde pública, mas para as empresas de tabaco isso é um desastre.

Em 7 de dezembro, a Altria, uma gigante do tabaco que vende os cigarros Marlboro, Philips Morris e outros nos EUA, apontou para uma possível solução. Anunciou que estava gastando US$ 1,8 bilhão para comprar uma participação de 45% da Cronos Group, uma empresa de cannabis canadense, com a opção de comprar mais 10% no futuro. A notícia impulsionou os preços das ações da Cronos em 29% na hora; a Altria também subiu, mas só 2%.

Como a demanda por cigarros cai a cada dia, a Altria aumentou seus preços e cortou custos para tentar gerar lucros. Uma mudança para a cannabis, que foi recentemente legalizada no Canadá, não é uma solução rápida, mas as perspectivas de longo prazo para o mercado, se e quando a droga for mais amplamente legalizada na América, são tentadoras.

Atualmente, nas Américas a cannabis é legal apenas no Canadá, no Uruguai e em dez estados norte-americanos. Agora em dezembro, Utah, ultraconservador, tornou-se o mais recente dos estados a legalizar o uso de maconha para fins medicinais.

De acordo com a Arcview Market Research, uma empresa de investimentos focada em cannabis, espera-se que os consumidores gastem US$ 57 bilhões ao ano em todo o mundo com a maconha legal até 2027. E na América do Norte, esse gasto deve crescer de US$ 9,2 bilhões em 2017 para US$ 47 bilhões em 2027.

Alguns calculam que o mercado total pode chegar em algo entre 40 e US$ 70 bilhões anuais, o equivalente aos gastos dos Estados Unidos com vinhos e destilados atualmente. As receitas da Altria em 2017 foram um pouco acima de US$ 25 bilhões.

O sucesso do movimento da Altria dependerá em parte de como as pessoas decidam consumir cannabis no futuro. A maioria ainda a fuma de maneira convencional. Nos estados em que é legal, a participação de mercado da flor de cannabis, tipicamente enrolada em um baseado, é de 60 a 65%.

Os produtos comestíveis de cannabis e vapes pens (o cigarro eletrônico) representam atualmente cerca de 10 e 15% respectivamente, de acordo com a empresa de pesquisa Sanford C. Bernstein.

Vaporizadores também significariam oportunidades de branding, que no passado foram cruciais para o sucesso das empresas de tabaco, mas que é impossível quando se vende maconha ilegal e solta.

A tendência para o cigarro eletrônico explica porque a Altria também planeja adquirir a JUUL, empresa que possui cerca de 75% do crescente mercado de cigarros eletrônicos dos Estados Unidos. A Altria disse que vai parar de vender seus próprios cigarros eletrônicos MarkTen e Green Smoke, citando seu fraco desempenho financeiro e regulamentação cada vez mais onerosa.

Em 2018, a Food and Drug Administration (FDA) anunciou restrições aos vapes e discutiu a proibição dos cigarros mentolados (os cigarros mentolados da Altria estão um pouco abaixo de 30% do mercado). Os produtos de cannabis podem enfrentar regras semelhantes.

Enquanto isso, a indústria de bebidas também está de olho no potencial da cannabis. A Constellation Brands, cervejaria da Corona, investiu cerca de US$ 4 bilhões, em agosto de 2018, na Canopy Growth, outra empresa de maconha canadense elevando sua participação de 9,9% para 38%. Os produtores de bebidas alcoólicas são menos difamados que os vendedores de cigarros. Mas as guloseimas de cannabis são mais lentas para fazer efeito do que os vaporizadores.

Comprovando as expectativas do mercado norte-americano, acaba de ser divulgado que a cannabis sativa está sendo cultivada perto de Ruatoria, na Nova Zelândia. Uma lei aprovada este mês facilita as restrições à maconha medicinal no país.

A Nova Zelândia é conhecida por suas campanhas de turismo enfatizando o país limpo e verde, e em pouco tempo pode ser “ainda mais verde”.

O Ministro da Justiça Andrew Little anunciou que um referendo será realizado em 2020 (junto com a eleição nacional) para definir a legalidade do uso recreativo da cannabis.

Parece que a Nova Zelândia será o primeiro país a colocar a questão em votação nacional.

A política pública na Nova Zelândia tornou-se mais favorável ao uso recreativo da cannabis nos últimos anos; uma pesquisa de outubro de 2018 da OneNews descobriu que 46% dos entrevistados eram favoráveis ​​à legalização da droga, enquanto 41% eram contra. A pesquisa questionou 1.006 eleitores elegíveis e teve um erro de margem de amostragem de 3,1%.

Audrey Young, veterana comentadora política do New Zealand Herald, disse que 

“A opinião pública está se movendo em direção à liberalização, e isto se deve ao avanço do uso legal da cannabis medicinal e principalmente pelo sentimento coletivo de opinião global de que a guerra contra as drogas está perdida e que a abordagem como questão de saúde pública é a única saída”.

Números do Ministério da Saúde da Nova Zelândia disseram que, em 2015, cerca de 8% das pessoas reconheceram ter usado cannabis no ano anterior. O uso pessoal em pequena escala é amplamente ignorado pela polícia, embora, como nos Estados Unidos, os estudos tenham mostrado que as minorias são mais propensas a serem presas e processadas por isso.

A Nova Zelândia também é conhecida como sendo socialmente liberal, com governos anteriores tendo descriminalizado a prostituição e legalizado o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mas nenhum dos dois maiores partidos, o Trabalhista de centro-esquerda – que lidera o atual governo – ou o Nacional de centro-direita, estiveram anteriormente dispostos a abordar a questão da maconha recreativa.

O Partido Trabalhista foi obrigado a negociar após as eleições de setembro de 2017, onde nenhum dos 2 principais partidos conseguiu assentos suficientes para governar de imediato.

Para ganhar o apoio do Partido Verde de esquerda – um dos dois partidos que deram à primeira-ministra Jacinda Ardern a maioria que ela precisava para governar – o Partido Trabalhista concordou em colocar a legalização da maconha em votação pública.

“Os políticos formam o grupo mais avesso ao risco que já conheci” – Disse Chlöe Swarbrick, uma parlamentar do Partido Verde que defendeu a legalização da cannabis. 

“Não havia anteriormente a vontade de investir em políticas baseadas em evidências principalmente sobre questões controversas como a maconha” – Disse ela.

Qualquer hesitação que as maiores corporações dos Estados Unidos ou políticos neozelandeses tiveram até agora sobre entrar no mercado de cannabis parece estar desaparecendo. 

Ou seja, quando uma justificativa financeira ou política mostra-se excelente o pragmatismo – seja ele econômico norte-americano ou político neozelandês –  sobrepuja qualquer ideologia por mais conservadora que seja.

O Ex-Libris, um podcast rápido e ligeiro – às vezes – sobre Comportamento Humano, acabou. 

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Saúde, paz, grato pela companhia e até a próxima

Ex-Libris, inteligência com propriedade.

Transcrição Ex Libris – S01e16

S01e16 Democracy

[Política] – Democracia em ruínas

Como finalmente o mundo está descobrindo as maravilhas do sistema latino-americano de governo pseudo-democrático

Olá, eu sou Sérgio Vieira e este é o 16º episódio da primeira temporada do Ex-Libris, um podcast rápido e ligeiro sobre Política, Comportamento Humano, Ciência, Tecnologia e Cultura. A cada episódio um tema. 

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Começa agora o Ex-Libris sobre Política de 04 de dez de 2018.

Em 2014 tivemos um estelionato eleitoral, o que confirmou meu artigo de 2010 e republicado em 2014 com um pequeno adendo. Esta reeleição da Dilma além de enrolar boa parte dos seus eleitores foi muito ruim, mas pareceu brincadeira de criança se comparada ao fato de, entre 2015 e 2017, o país ter sido governado por Eduardo Cunha e uma corja de larápios com mandatos legislativos.

Lembro do William Wack ficar possesso de indignação ao vivo com os 2 milhões de desempregados lá do governo Dilma e hoje com mais 13 milhões sem eira nem beira ele estar quietinho, se bem que o youtube não é uma Globo (ainda).

Lembro o mesmo Eduardo Cunha, em 2016, quebrando a democracia brasileira ao meio para entregar a Presidência a Michel Temer, que só não caiu porque entregou à cafetinagem o Tribunal Superior Eleitoral e o Congresso (em duas votações) em 2017.

Se você não entendeu esta minha última frase… leia, leia, leia! Sempre busque as entrelinhas, e de forma sublime, complemento: pombas, prestatenção!

Temer – o já definido vice-decorativo e alçado a presidente-decorativo, um marionete das confederações nacionais e das bancadas BBB – entregou às Forças Armadas (garantindo o foro privilegiado ao Moreira Franco) um enorme abacaxi “deem um jeito no Rio de Janeiro…”.

O risível desta palhaçada é que numa manobra para o acobertar, até a entrega do cargo, Temer esqueceu de combinar com a turma da Justiça, que desde que os militares assumiram o Rio só manda prender políticos.

O Moreira e Temer estão sem saída. De 2019 eles não passam. Com a prisão de todos os governadores do Rio desde 1998 (Anthony e Rosa Garotinho, Sérgio Cabral e Pezão) estão num pavor só. O Coiso não parece morrer de amores por Temer para garantir uma embaixada.

Os militares, na saia justa que o Temer os colocou, aproveitaram o “merdelê” geral do Congresso, do Executivo e do Judiciário e apoiaram – discretamente, dentro do jogo democrático – um movimento de generais de pijama e o “Fake News by WhatsApp” transformando um capitão medíocre em 2013 em um presidente em 2018.

Deu no que deu… ninguém sabe direito para onde o barco vai. Nem o próprio presidente eleito: boa parte de suas promessas de campanha já começam a ser esquecidas ou modificadas, mas no geral as ideias deste momento pré-posse passam por um processo de… retromicção.

Some-se à fragilidade do presidente eleito no que tange o conhecimento e as habilidades político-administrativas, os núcleos de poderes estabelecidos por sua estruturação de ministérios: temos o grupo do posto Ipiranga (ultraliberalistas), o grupo militar (radicais nacionalistas apoiados pelos “príncipes”), o grupo técnico (subdividido em “imexíveis” e “olavetes”) e com menor poder de fogo, o grupo político (extremamente fisiológico). Todos eles conflitantes e díspares nas expectativas e diretrizes.

É constrangedor o video do Onyx Lorenzoni negando participação do novo governo à desistência do Brasil em sediar a Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas, a COP 25, murmurando: “Nós não temos nada a ver com isso. Isso é uma decisão do Itamaraty”. E o presidente eleito o desdizendo no ato, afirmando:

“Houve participação minha nessa decisão. O (SIC) nosso futuro ministro… eu recomendei para que evitasse a realização desse evento aqui no Brasil. Até porque, e eu peço que vocês nos ajudem, está em jogo o triplo A nesse acordo [Acordo de Paris]. O que é triplo A? É uma grande faixa que pega dos Andes, à Amazônia e [o] Atlântico, de 136 milhões de hectares, ao longo das calhas do rio Solimões e Amazônia, que poderá fazer com que percamos a nossa soberania nessa área. Então eu quero deixar bem claro, como futuro presidente, que se isso for o contrapeso nós teremos uma posição que pode contrariar muita gente, mas que vai estar de acordo com o pensamento nacional. Então não quero anunciar uma possível ruptura dentro do Brasil [SIC]. Além dos custos, que seriam muito exagerados, tendo em vista o déficit que nós já temos no momento”.

Nessa declaração há um pequeno probleminha: pesquisando não encontrei nenhuma referência nem a Triplo A, Amazônia, Andes ou Atlântico, ou algo do tipo no Acordo de Paris (32 páginas em inglês ).

Após apresentar durante a COP-21, em Paris, seus próprios compromissos para enfrentar o aquecimento global, as chamadas Pretendidas Contribuições Nacionalmente Determinadas (INDC, na sigla em inglês), o Brasil aprovou no Congresso Nacional, em setembro de 2016, o processo de ratificação do Acordo de Paris. Desse modo, as metas brasileiras deixaram de ser “pretendidas” e se tornaram compromissos oficiais, agora como Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC).

A NDC do Brasil comprometeu-se a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005, em 2025, com uma contribuição indicativa subsequente de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% abaixo dos níveis de 2005, em 2030. Para isso, o país se comprometeu a aumentar a participação de bioenergia sustentável na sua matriz energética para aproximadamente 18% até 2030, restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas, bem como alcançar uma participação estimada de 45% de energias renováveis na composição da matriz energética em 2030”, explica o Ministério do Meio Ambiente em seu site.

O texto diz ainda que a NDC assumida pelo país “corresponde a uma redução estimada em 66% em termos de emissões de gases efeito de estufa por unidade do PIB (intensidade de emissões) em 2025 e em 75% em termos de intensidade de emissões em 2030, ambas em relação a 2005. O Brasil, portanto, reduzirá emissões de gases de efeito estufa no contexto de um aumento contínuo da população e do PIB, bem como da renda per capita, o que confere ambição a essas metas”.

Em nenhum documento do Acordo de Paris ou da retificação do Acordo, aprovado pelo Congresso Brasileiro, há qualquer menção ao Triplo A, o corredor ecológico que, de acordo com Bolsonaro, põe em risco a soberania do país. Ou seja, não seria o pior dos exageros dizer que a democracia brasileira está em crise. Quando temos um fascista convicto com o poder executivo nas mãos cercado de “outsiders” e aproveitadores devemos avaliar bem porque 39% dos eleitores votaram nele.

Não há dúvida do que aconteceu no Brasil foi mesmo coisa nossa.

A ausência de um plano de País, a completa falta de algo conhecido como cidadania, o paternalismo que grassa em ambos os lados do poder, a imensa e “cartelizada” e cartorial máquina estatal, as castas legais e amorais que segregam cidadãos em pessoas comuns, políticos, militares, juizes, nossos arcaicos problemas econômicos, os erros de política econômica de Dilma e de outros governos, os defeitos do sistema político vigente, a fragilidade do pensamento econômico de esquerda e das estruturas básicas de nossos poderes democráticos, o pouco apreço dos conservadores brasileiros pela estratégia de “ganhar no voto”, tudo isso sempre foi bem conhecido, e também foi importante para ajudar a cavar nosso buraco atual.

E acredite em mim ainda há terra para cavar.

Mas devo lembrar que, na verdade, se a democracia não vai muito bem aqui, também não vai indo nada bem aí pelo mundo. O cientista político Larry Diamond criou um termo bem interessante: “recessão democrática” para descrever como, mais ou menos desde 2006, o número de democracias vem desmoronando e a qualidade das democracias restantes também. É um processo lento, com reviravoltas, mas a tendência é para lá de preocupante.

Afinal, a democracia vinha em uma ascendente desde os anos 1990: ao fim das ditaduras do sul da Europa seguiu-se a democratização da América Latina, o fim das ditaduras comunistas do Leste Europeu, e alguns processos de democratização na Ásia e na África. Essa onda democrática, entretanto, parece ter chegado ao fim e, ao que aparenta, começou a refluir.

Quem ficou de fora do poder encontrou um meio de retomá-lo apelando para elementos bem diversos e bem enraizados dentro uma população que se sente tanto afastada das benesses da economia globalizada como do senso de pertencimento local.

Desde “Ocuppy Street” o mundo anda tomando partido de um lado ou do outro. Na Europa, Hungria e Polônia são governadas pela extrema direita que vêm eliminando barreiras legais ao exercício de seu poder.

A Venezuela e a Turquia tornaram-se ditaduras. Dos países que participaram da Primavera Árabe (Tunísia, Egito, Líbia, Síria, Argélia, Bahrein, Djibuti, Iraque, Jordânia, Omã, Iêmen, Kuwait, Líbano, Mauritânia, Marrocos, Arábia Saudita, Sudão e Saara), só a Tunísia tornou-se democrática.

Alguns países conseguiram algumas alterações, mas a maioria ficou como era. No caso da Líbia e da Síria a coisa piorou de vez. Nem a longevidade no poder do Congresso Nacional Africano, na África do Sul, nem as sucessivas reeleições de Evo Morales são sinais de vitalidade democrática. Durante a crise do euro, as reclamações sobre o “déficit democrático” da União Europeia foram recorrentes, e nos Estados Unidos o presidente é Donald Trump, o que nem precisa de maiores explicações.

Enquanto tudo isso acontecia, Dilma Rousseff foi eleita, reeleita e caiu, a classe política foi desmoralizada pela Lava Jato, e as instituições brasileiras perderam a reputação e robustez que haviam conquistado nos anos 90 e 2000.

O que uma coisa tem a ver com a outra? A crise brasileira é mais uma manifestação da recessão democrática? O exemplo brasileiro pode ajudar a entender o processo mais geral?

Boa parte do comentaristas e analistas políticos brasileiros têm ignorado o assunto como se o país não possuísse um protagonismo mundial. A velha síndrome do vira-lata, agora mais validada pelo presidente eleito em suas incontinências formais e no estilo “Orange One’s Copycat” (Sabe aquela ideia inicial de apenas 15 ministérios? Então, adivinha que país tem exatamente 15 “ministérios” ou melhor Departments: Agricultura, Comércio, Defesa, Educação, Energia, Saúde e Serviços Sociais, Segurança Nacional, Habitação e Desenvolvimento Urbano, Justiça, Trabalho, Estado, Interior, Tesouro, Transportes e Assuntos de Veteranos? Eu dou uma laranja para quem descobrir).

Sabemos que o que mais há são brechas para a manipulação das regras do jogo mesmo por dentro da legalidade (basta perguntar para o advogado mais próximo de você para ele explicar o que são as franjas da Lei).

Na condução política, que por lugar comum é “a arte do possível, da conciliação” se tais brechas fossem exploradas em todas as oportunidades, a história política teria sido muito mais turbulenta ou nem mesmo existiria.

A democracia de per si é – ou deveria ser – sustentada também por um conjunto de normas não escritas capazes de impedir que os possíveis pontos cegos da Constituição sejam explorados para desestabilizar o sistema. Ou seja, ética!

Mas voltando ao panorama geral das velhas democracias mundiais e às normas não-escritas, à ética: A principal é a que pode ser chamada de “autocontrole”, ou seja, a disposição de se abster de usar contra o adversário todos os recursos institucionais disponíveis, pelo bem do funcionamento do jogo político como um todo. Afinal os objetivos da Nação são maiores que os Planos de Governo, pelo menos no mundo desenvolvido.

Neste espectro democrático estável desde a 2a. Grande Guerra vários presidentes ou primeiros-ministros enfrentaram congressos ou parlamentos de maioria oposicionista, e sempre, nesses casos, a oposição conseguiu tornar a vida deles bem mais difícil.

Mas quase nunca a maioria optou pela “opção nuclear” do impeachment ou do voto de desconfiança, preferindo não correr o risco de instabilidade que impeachments ou trocas de gabinetes frequentes trariam para a democracia. Isto é, demonstraram autocontrole.

Bem… os italianos e as democracias sul-americanas são excelentes… ahh… exemplos de exceções históricas.

O problema desta década é que essas normas não-escritas têm perdido força. Algo como se a turma de comum acordo estivesse dando uma banana para a ética. Um exemplo recente e de dentro de um dos acórdãos democráticos mais estáveis do planeta:

Pouco antes da eleição de Trump os republicanos desrespeitaram, abertamente o imperativo de autocontrole: impediram que Obama nomeasse o substituto de um juiz conservador da Suprema Corte, que faleceu no último ano de mandato do presidente democrata. A maioria republicana preferiu esperar a posse de Trump para só então aprovar o substituto, um conservador nomeado pelo novo presidente. Essa atitude foi perfeita legal, mas… foi claramente uma violação das normas que orientavam as nomeações da Suprema Corte até então.

A democracia simplesmente não funciona se todas as possibilidades legais forem sempre utilizadas contra o adversário sem consideração pelas consequências, viu Magno Malta!

A segunda regra fundamental da ética na democracia é a tolerância mútua.

A propaganda contra o adversário pode ser agressiva (e sempre é), mas deve se abster de colocar em dúvida a legitimidade do oponente: você pode considerar seu adversário incompetente, burro, vagabundo, ladrão, mau-caráter, defensor de ideias que prejudicarão muito o país, mas não pode questionar seu direito de participar da disputa democrática como um postulante legítimo.

Em nosso presente caso é melhor eu deixar para lá qualquer análise de ética ou de racionalidade de nosso presidente eleito e parte de seu eleitorado.

As tentativas, ao longo dos governos petistas, de pintar o PT como uma conspiração antidemocrática a serviço do Foro de São Paulo foram violações da norma de tolerância.

O mesmo é verdade sobre a propaganda petista contra FHC nos anos 1990, até com pedidos de impeachment insustentáveis, e contra Marina Silva em 2014, retratando a proposta de autonomia do Banco Central como uma conspiração de banqueiros para roubar comida da mesa dos pobres.

A violação da norma de tolerância é recorrente no discurso populista. Populistas recortam o eleitorado entre “o povo de verdade”, “o povo que importa” e os outros, os estrangeiros ou “penetras” do jogo democrático.

Assim, a eleição do Coiso pode ser encarada como o coroamento de um processo de profunda deterioração das jovens e frágeis normas democráticas brasileiras. Nesta ótica, o Coiso, é um sintoma dessa crise, nunca seu criador.

Mas vamos lá para o primeiro mundo…

Desde o fim da segregação racial a política norte-americana se tornou cada vez mais polarizada. O Partido Republicano passou a ser visto e a atuar como o partido da maioria branca. A desigualdade econômica aumentou, e amplos setores da sociedade americana se sentem “deixados para trás” pela globalização.

A política americana tornou-se menos tolerante; os conflitos, crescentemente acirrados; e a disposição para jogar pesado contra o adversário é cada vez maior.

A democracia apesar de bagunçada pelo Trump ainda não foi desmontada. Orange One manifestou durante toda a sua campanha todos os sinais de um líder autoritário bem no padrão… ah, latino-americano. Mas as instituições lá, até agora, foram capazes de controlar o ímpeto meio bufão meio descontrolado do Donald.

Os seus apoiadores usando a mesma tática da campanha disseminam agora teorias da conspiração sobre um “Estado Profundo”, uma conspiração de “insiders” que estariam propositalmente impedindo-o de cumprir suas promessas anteriores.

Na verdade, quem está contendo o Trump são as instituições tradicionais criadas para prevenir a Nação contra presidentes como ele… ok, com uma ajudinha dos grupos altGOV.

Mas seria um equívoco assumir uma atitude complacente de que “as instituições estão funcionando”. Afinal, uma crise nacional grave – uma guerra, um grande atentado terrorista – pode alavancar Trump e permitir a consolidação de sua agenda autoritária (espero que o Coiso não esteja ouvindo isto aqui).

Se este último cenário (não o Coiso ouvir, o Orange One implementar sua agenda autoritária) os EUA perderá seu protagonismo atual de império democrático e de polícia do mundo.

Hum… pensando bem… não! As opções atuais não são muito melhores que o status quo.

Prosseguindo: A democracia pode, em algum momento, acabar? Lembra-se de Churchill? Para ele:

“Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”.

Ela é um fenômeno histórico relativamente recente. Nada pode garantir que a democracia vá durar mais ou menos do que a outras formas de governo.

Talvez haja paralelos entre a atual crise democrática e a última década do século XIX, esta marcada por movimentos populistas, teorias da conspiração, mudanças tecnológicas, desigualdade crescente, e a falta de uma guerra (que ofereceria um trauma coletivo semelhante àquele que o populismo sempre encena).

A crise política da democracia nos 1890 deu origem a uma fantástica era de reformas, em que se consolidaram as 2 bases de sustentação da democracia moderna, garantidas ainda no século 20:

  • A garantia de prosperidade futura (conseguida por meio da combinação entre capitalismo e estado de bem-estar social), e
  • O reconhecimento da dignidade individual (pelo respeito aos direitos individuais e o direito ao voto).

A crise de hoje, lamento, dificilmente será resolvida como a do século XIX.

Não há como expandir o estado de bem-estar social assim, de uma hora para outra, quando já enfrentamos certas limitações de alimentos, água em ambiente propício à existência de cerca de 7,5 bilhões de pessoas (e para piorar em rumo firme aos 10 bilhões). Nos países desenvolvidos, o direito ao voto já é universal.

Se esses limites já não fossem suficientes, há uma outra característica, bem particular, específica dos dias atuais, os problemas presentes e de futuro imediato da sociedade moderna talvez estejam se tornando ou grandes demais ou pequenos demais para serem resolvidos por uma governança democrática representativa e de abrangência geográfica desconectada das realidades locais.

Por um lado há uma série de ameaças existenciais pairando sobre a espécie: o risco de guerras generalizadas com uso de poderio nuclear ou biológico, violência urbana descontrolada, o risco de catástrofe ambiental, escassez de água e alimentação básica, e, talvez, em um futuro não tão distante, o risco de subjugação total pela tecnologia.

O homem comum sente-se pequeno e impotente frente aos limites do seu horizonte existencial e de sobrevivência. O político medíocre sente-se capaz de suprir todos as soluções para a sobrevivência das demais pessoas (e de seu poder, claro) por meio de recursos básicos ou de efeito. Ambos não conseguem perceber a enorme distância entre o tudo e a alma.

Estamos, nós brasileirinhos, quase na terceira década do século 21 e nosso ensino ainda patina nas carteiras quebradas e quadros de giz de aulinhas de alfabetização precária equivalentes àquelas dos anos 1950.

O humano perde a sensação de pertencimento social e econômico frente a um mundo que exige o uso de aplicativo no smartphone de quem não consegue interpretar um texto primário.

Na França atual – que, todos sabemos, é uma República parida e mantida por uma inata violência popular – a política vai para as ruas de uma maneira muito mais rápida que aqui ou em qualquer outra democracia ocidental.

Nas últimas 2 décadas há houve “quebra-quebra”, ou como eles chamam, protestos de jovens dos subúrbios multirraciais, fazendeiros (quase todo ano) operários, professores, advogados e até policiais. Agora explodiu com os protestos pela taxa ambiental que aumentava os combustíveis… mesmo com Macron voltando atrás com a não cobrança da taxa e outros agrados a zona continua, pois muitas outras demandas foram adicionadas.

O governo demorou pra responder e o movimento expandiu. O nível de destruição que tomou as ruas de Paris é assustador até para quem já conhece essa mania francesa de incendiar carros. Desta vez foi uma violência aleatória, de pura raiva, dirigida não só contra a polícia mas também contra qualquer símbolo da República, como o Arco do Triunfo.

E sabe por que o movimento pacifico do início de novembro se voltou contra todo o sistema político francês com tal nível de ódio? Simples!

Mesmo sendo principalmente franceses natos, brancos – que em momento algum demonstraram sinais de racismo ou nacionalismo – os radicais dos “gilets jaunes” se voltaram de forma niilista contra as instituições democráticas e símbolos da riqueza, devido principalmente a uma angústia econômica e social que há anos vem tomando conta da França.

Até agora não está clara uma metodologia ou uma estrutura de contenção democrática que possa lidar adequadamente com esses problemas de grande escala.

Os governos democráticos deixaram o problema do aquecimento global chegar a um ponto em que talvez não seja mais possível evitar a catástrofe. Poderíamos ter assumido uma forma de vida mais sustentável, ter buscado representantes e ter votado por limites de consumo e alterações no modo de produção, mas… até agora não fizemos muito esforço para isso.

Da mesma forma, devemos mesmo dar a Donald Trump ou algum outro governante qualquer o poder de destruir o mundo apertando um botão? Ou sufocar o nosso ambiente lentamente com resíduos altamente tóxicos à nossa vida? Mas, se não o fizermos, quem deve ter esse poder? Os generais provavelmente são mais confiáveis do que governantes, mas o quão confiáveis eles são?

Ainda há um risco real e imediato de que a tecnologia comprometa cada vez mais a democracia. O caso mais evidente é a possibilidade de aprimoramento genético, e claro, quem parte primeiro nesta escalada são os que podem pagar.

Se os filhos dos ricos forem modificados para serem imunes, atléticos, superinteligentes ou supertalentosos, será que a igualdade jurídica propugnada nas leis ainda vai significar a mesma coisa?

Já é difícil haver igualdade mesmo com leis vigentes… Imagine em um mundo com superinteligentes e supertalentosos a simplicidade de exigir que candidatos ao governo possuam três pós-doutorados.

A tecnologia é fascinante e possibilita milhões de opções: desde uma onde a automação total permita que vivamos tal qual a animação Wall-E, nos divertindo e… engordando. Até a opção onde tenhamos – sob uma ditadura de pessoas 2.0 geneticamente aprimoradas – uma vida social virtualizada e destruída pela fragmentação da identidade pessoal e de grupo que ela traz.

Não temos embasamento nem instrumentos analíticos para prever sequer que problemas teremos. Essas ameaças grandes demais para nosso modelo democrático atual transferem poder aos tecnocratas e outros tipos de especialistas, que, cada vez mais, também controlaram áreas importantes da vida social, como a gestão macroeconômica.

Isto é, a participação na gestão dos benefícios de longo prazo do desenvolvimento é cada vez menos decidida pela participação da cidadão, ou seja, democraticamente.

É um pensamento simplista supor que basta apenas modelar democraticamente uma gestão tecnocrática: esta metodologia pode até obter bons resultados quando o problema trata-se apenas de insensibilidade social ou inércia dos especialistas, mas fica a dúvida: e se a gestão do problema exige o mínimo de turbulência possível?

Por outro lado, o fator “dignidade pessoal” da democracia — ou seja, o respeito aos direitos individuais e à livre expressão — é cada vez mais privatizado, e cada vez mais deriva para o anarquismo das redes sociais. Não devemos esquecer que se esse espírito ultrademocrático das redes sociais tem um lado evidentemente bom, mas também traz uns riscos danados.

Alexis de Tocqueville via nos linchamentos que os americanos praticavam na primeira metade do século 19 uma deformação do espírito democrático: a maioria se sente autorizada a descontar suas frustrações nas minorias vulneráveis.

Qualquer semelhança com declarações de um capitão da reserva não é mera coincidência.

Na atual democracia esses impulsos são mais ou menos, ou deveriam ser domesticados pelas instituições, pela presunção da inocência, pelos direitos das minorias. Mas ainda não há nada disso na democracia das redes sociais. Nós não agredimos e participamos de linchamentos mais; a não ser no Ttwitter, no WhatsApp e no Facebook, né?!

Essa individualidade mascarada pela falsa sensação de poder que o distanciamento social e o anarquismo das redes permitem também desfavorece qualquer ação política dentro dos ditames democráticos.

No Facebook, no WhatsApp ou no Twitter, as pessoas se acostumaram a ter gratificações imediatas, na forma de likes, compartilhamentos, retuítes, coraçõezinhos, comentários. A democracia representativa funciona de outra forma: não gratifica imediatamente, e, não foi desenvolvida para isso.

O ritmo comparativamente bem mais lento dos compromissos político-partidários, dos procedimentos parlamentares, das negociações e acordos, serve de catalizador à esse viés de gratificação imediata que nos tornam tão míopes.

Os partidos políticos, em especial, deveriam administrar com muito mais cuidado o compromisso temporal desse processo de avanços e tréguas. Mais aí já é pedir demais, né?!

Ao contrário, é tendência recente a substituição do partido – incapaz de gerar gratificações imediatas – pelo chamado “movimento”.

O Podemos da Espanha começou como movimento, o En Marche! de Emmanuel Macron foi criado em torno de seu líder, e o trabalhismo de Jeremy Corbyn representou a tomada do Partido Trabalhista por um movimento.

Aqui como exemplo e na versão pt.br temos o PSL nestas eleições presidenciais – que do nada virou um partidão – e o MBL, que já está se estruturando legalmente para atuar como um partido.

Esses movimentos são estruturalmente iguais ao Facebook: combinam máxima horizontalidade – as redes, a espontaneidade, etc – com lideranças fortemente verticais.

O Facebook é uma rede horizontal, sem dúvida, mas é também, no fim das contas, o brinquedinho do Mark Zuckerberg. É ele quem decide as regras do jogo e as modifica como e quando quer. O mesmo vale para Macron no En Marche! ou o Bolsonaro no PSL.

Será que a política pode resgatar a democracia?

Creio que para isto se realizar é preciso que qualquer tentativa de manipulação tecnológica das ferramentas democráticas e o poder do mercado sejam enfrentadas por políticos com coragem de desafiar fortíssimos interesses econômicos.

Ou como dizia minha avó: Du-vi-de-o-dó.

Os políticos na atualidade e em sua imensa maioria são fantoches do mercado e usam e abusam da malversação tecnológica, e mais! O próprio mercado global é uma máquina que saiu do controle.

O que sabemos por experiências anteriores é que só o exercício do poder político pode limitar o poder do mercado ou da técnica. Mas a que custo da democracia tradicional?

O ser humano é criativo, e diante deste gigantesco desafio é possível que a humanidade supere este hiato sócio-político que o viés tecnológico nos impõe. Caso contrário é bom a gente usufruir a vida… enquanto houver diversão e arte.

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Ex-Libris, inteligência com propriedade.