Transcrição Ex Libris – S01e05

[Cultura] – Obras de três continentes narram o tráfico de escravos africanos

130 anos e ainda temos muito o que corrigir em nossa história cercana. Não somos, em nossa maioria, natos deste pedaço de terra americana, somos em parte invasores, brancos, escravos, negros, mulatos.

Olá, eu sou Sérgio Vieira e este é o 5º episódio da primeira temporada do Ex-Libris, um podcast rápido e ligeiro sobre Política, Comportamento Humano, Ciência, Tecnologia e Cultura. A cada episódio um tema. Seja bem vindo e espero que esteja gostando do Ex-Libris. Aguardo comentários e sugestões, afinal eu preciso saber se estou no caminho certo. Para tanto, basta dar um pulo lá no idigitais.com. 

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Começa agora o Ex-Libris sobre Cultura de 02 de out de 2018

Cerca de cinco séculos após o início da chegada de povos escravizados da África às Américas, as rotas, as influências culturais, a miscigenação e as histórias da escravidão negra são temas de uma das maiores exposições de arte realizadas nos últimos anos pelo Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, o Masp.

Em parceria com o Instituto Tomie Ohtake, foi inaugurada nos fins de junho a exposição Histórias Afro-Atlânticas que tem encerramento previsto para 21 de outubro de 2018. Corre que dá tempo!

“Nos navios negreiros vieram não só pessoas escravizadas, mas símbolos, culturas, religiões e filosofias”, explica uma das curadoras da exposição, a historiadora Lilia Moritz Schwarcz, que montou esta  mostra com mais quatro nomes, Adriano Pedrosa, Ayrson Heráclito, Hélio Menezes e Tomás Toledo. “Esse circuito, como definiu Pierre Verger – etnólogo, fotógrafo e babalaô franco-baiano – criou não apenas fluxos, mas também refluxos.” 

A ideia de trazer as narrativas afro-atlânticas veio a partir da exposição Histórias Mestiças feita por Lilia Schwarcz e Adriano Pedrosa no Tomie Ohtake em 2014; exposição esta que originou dois projetos: As Histórias da Escravidão e as Histórias Indígenas. 

A ampliação da discussão para narrativas afro-atlânticas veio após a realização de um seminário sobre o tema em 2016. As Histórias Indígenas já é uma exposição programada para 2021.

No museu, o ano de 2018 está sendo dedicado integralmente às narrativas afro-atlânticas, desde as exposições individuais, como de Maria Auxiliadora, encerrada em junho, e a de Rubem Valentim, até palestras, eventos culturais e sessões de cinema. 

O estudo da curadoria para esta mostra resultou numa antologia, lançada com o catálogo da exposição, que reúne artigos e textos nacionais e internacionais sobre a questão, alguns inéditos em português. 

Para contar as histórias que envolvem três continentes, o MASP e o Tomie Ohtake contaram com importantes empréstimos de grandes coleções particulares e instituições, como a National Portrait Gallery de Londres, a Galleria degli Uffizi de Florença e o Metropolitan, de Nova York. 

Apesar de não ter sido pensada com esse propósito, a mostra ocorre nos 130 anos da abolição da escravidão no Brasil. Uma data tardia que precisa ser politizada, e que até agora – desculpe o trocadilho equivocado – passou em branco. 

A exposição não segue um ordenamento cronológico ou geográfico, sendo dividida em oito núcleos temáticos que abrangem diferentes tempos, territórios e suportes, nas duas instituições que coorganizam o projeto. 

No MASP: há 4 núcleos no 1º andar – MAPAS E MARGENS – COTIDIANOS – RITOS E RITMOS e RETRATOS; no 1º sub-solo: o núcleo MODERNISMOS AFRO-ATLÂNTICOS;  e no 2º subsolo: o núcleo ROTAS E TRANSES: ÁFRICAS, JAMAICA E BAHIA. No Instituto Tomie Ohtake estão os últimos 2 núcleos:  EMANCIPAÇÕES e RESISTÊNCIAS E ATIVISMOS.

Os núcleos discutem a questão negra com uma mistura de obras históricas e contemporâneas. No núcleo Emancipações do Tomei Ohtake, as imagens clássicas do francês Debret e do alemão Rugendas são confrontadas com os equipamentos de tortura, prova de que os povos africanos nunca aceitaram a escravidão pacificamente. É bom lembrar que desde o início da escravidão no Brasil, se tem registro de quilombos.

No núcleo Retratos lá no MASP, em oposição ao que é visto em museus ocidentais e europeus, o negro é colocado como protagonista. A dificuldade é a falta de registros históricos não só de artistas negros como de retratações dignificantes de pessoas negras. 

Para o setor, foram comissionados então dois trabalhos de Dalton Paula, que imaginou figuras históricas e quase sem registros, como a líder quilombola Zeferina da 1ª metade do século 19 e o alfaiate João de Deus Nascimento, um dos líderes da Conjuração Baiana nos fins do século 18. “A proposta é representar personagens esquecidos”, esclarece Tomás Toledo. 

Histórias afro-atlânticas apresenta uma seleção de 450 trabalhos de 214 artistas, do século 16 ao 21, em torno dos “fluxos e refluxos” entre a África, as Américas, o Caribe, e também a Europa. 

O Brasil é um território central nas histórias afro-atlânticas, pois recebeu aproximadamente 46% dos cerca de 12 milhões de africanos e africanas que desembarcaram compulsoriamente neste lado do Atlântico, ao longo de mais de 300 anos. 

Também foi o último país a abolir a escravidão mercantil com a Lei Áurea de 1888, que perversamente não previu um projeto de integração social, perpetuando até hoje desigualdades econômicas, políticas e raciais. 

Por outro lado, o protagonismo brasileiro nessas histórias fez com que aqui se desenvolvesse uma rica e profunda presença das culturas africanas.

Histórias afro-atlânticas parte do desejo e da necessidade de traçar paralelos, fricções e diálogos entre as culturas visuais dos territórios afro-atlânticos—suas vivências, criações, cultos e filosofias. 

O Atlântico Negro, na expressão de Paul Gilroy, é uma geografia sem fronteiras precisas, um campo fluído, em que experiências africanas invadem e ocupam outras nações, territórios e culturas.  

É importante levar em conta a noção plural e polifônica de “histórias”; esse termo que em português abrange tanto a ficção como a não ficção, as narrativas pessoais, políticas, econômicas, culturais e mitológicas. Assim, nossas histórias possuem uma qualidade processual, aberta e especulativa, em oposição ao caráter mais monolítico e definitivo das narrativas tradicionais. 

Neste sentido, a exposição não se propõe a esgotar um assunto tão extenso e complexo, mas antes a incitar novos debates e questionamentos, para que as histórias afro-atlânticas sejam reconsideradas, revistas e reescritas.

No MASP, a mostra contextualiza-se dentro de um ano de exposições, palestras, cursos, oficinas, publicações e programações de filmes em torno das histórias afro-atlânticas. 

O programa iniciou-se com as individuais de Maria Auxiliadora, Aleijadinho (de março a junho) e Emanoel Araujo (de abril a julho) e se completa com as de Melvin Edwards e Rubem Valentim (de agosto a novembro), Sonia Gomes (de Novembro de 2018 a fevereiro de 2019), Pedro Figari (de Novembro de 2018 a fevereiro de 2019) e Lucia Laguna (de Dezembro de 2018 a março de 2019). 

Parte fundamental desse projeto é a Antologia já citada e que reúne em livro textos de 44 autores, resultado de dois seminários internacionais realizados em 2016 e 2017. Desse modo, o museu se transforma, ele mesmo, em uma plataforma múltipla e diversa, plural e polifônica.

Caso você se interesse mais pelo assunto indico a obra do membro e ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, poeta ganhador do Prêmio Jabuti com a obra Ao lado de Vera em 1997, ensaísta, memorialista, historiador, atual orador do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e agraciado com o Prêmio Camões de 2014, o diplomata Alberto Vasconcellos da Costa e Silva, considerado hoje em dia como o maior especialista brasileiro em África, autor de várias obras fundamentais para a compreensão da história do tráfico negreiro para a América, entre elas: 

  • A enxada e a lança: a África antes dos portugueses de 1992; 
  • A manilha e o Libambo: a África e a escravidão, de 1500 a 1700, publicado em 2002; 
  • Um rio chamado Atlântico de 2003; e 
  • Francisco Félix de Souza, mercador de escravos de 2004. 

O Ex-Libris, spin-off do Impressões Digitais, um podcast rápido e ligeiro sobre Cultura, acabou. 

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Saúde, paz, grato pela companhia e até a próxima

Ex-Libris, inteligência com propriedade.