Transcrição Ex Libris – S01e20

S01e20 - Kazakhstan

[Tecnologia] – O Cazaquistão decidiu trocar seu alfabeto

Aprendizados Culturais do Cazaquistão para o Bem da Gloriosa Nação Brasileira

Olá, eu sou Sérgio Vieira e este é o 20º e último episódio da primeira temporada do Ex-Libris, um podcast rápido e ligeiro sobre Política, Comportamento Humano, Ciência, Tecnologia e Cultura. A cada episódio um tema. 

Seja bem vindo e espero que o Ex-Libris esteja atendendo suas expectativas. Diz aí.. eu estou acertando? Eu preciso saber o que você acha disso aqui. Vai lá no idigitais.com e deixe seu comentário, esculacho ou proposta indecente. Pode ser no post deste episódio, na sua transcrição no Medium/@sergiovds ou ainda pelo email [email protected].

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Começa agora o Ex-Libris sobre Cultura de 30 de dez de 2018.

Hoje veremos porque O Cazaquistão decidiu trocar seu alfabeto ou Aprendizados Culturais do Cazaquistão para o Bem da Gloriosa Nação Brasileira

O Reino Cazaque foi fundado por descendentes de Genghis Khan no século XVI (ou seja coisa de 550 anos atrás), como sendo o Khanato Cazaque, no cruzamento das economias e culturas regionais, e foi o primeiro reino independente da etnia cazaque – um povo nômade de língua túrquica (ou turcomana, ou túrcica ou ainda turco-tártara), que habitava as vastas estepes da Eurásia. 

O reino Cazaque existiu até o século XVIII, até que se fragmentou e, posteriormente, foi incorporado pelo Império Russo.

Em 2017 o Cazaquistão determinou oficialmente a transição gradual da língua cazaque em cirílico para a língua cazaque em alfabeto latino. Já aviso, é a terceira vez que o país troca oficialmente de alfabeto em menos de um século (Borat iria adorar).

Para tanto, criou a Comissão Nacional para a Tradução do idioma cazaque para caracteres latinos, cujo trabalho deverá ser concluído até 2025. (‘Tá parecendo o Brasil, né?!).

Essa atitude não é assim de graça, ou só porque os cazaques querem que todos os que usam o idioma cazaque em todos os continentes o escrevam da mesma forma (alô patrícios de ultramar, isto é um fato para nós brasileiros, e para vocês continuará com acordo ortográfico ou não sendo um “facto”). Eles também não estão de saco cheio com seu alfabeto, tudo isso é parte de um plano… ahá!… de modernização do Cazaquistão (eles vão abandonar aquela história de potássio).

E constitui também em mais um reforço para a sua independência como país e na reconstituição de suas bases históricas, após a extinção da União Soviética, em ‘91, que permitiu aos grupos étnicos que o integravam a busca da autodeterminação. 

Os cazaques buscam com esta atitude uma reflexão séria sobre a etapa soviética na sua história – que trouxe não apenas a modernização, mas também muitas tragédias nacionais, como a fome que resultou da coletivização forçada das décadas de 1920 e 1930, e as quatro décadas de testes nucleares que ainda afetam a saúde dos cidadãos.

O Cazaquistão já tinha introduzido o alfabeto latino entre 1929 e 1940, mas, no início desses anos 1940 do século XX, o alfabeto teve que ser adaptado ao cirílico para “melhorar a comunicação entre as nações e povos da União Soviética”, tal como determinou, então, Moscou (percebeu?). Ah, sim… antes de 1929 eles utilizavam o tradicional alfabeto árabe usado pelas minorias muçulmanas da região da Ásia Central.

Após o fim da União Soviética, apenas Azerbaijão e Turquemenistão tiveram progressos significativos na mudança para o alfabeto latino, enquanto no Uzbequistão a transição fracassou. 

O novo alfabeto com 26 símbolos ao invés dos 42 do cirílico – foi anunciado em outubro de 2017 e recebeu duras críticas da população – algo raro para um país governado há três décadas pelo pulso firme de Nursultan Nazarbayev. 

A primeira versão (apesar de facilitar o uso nos dispositivos eletrônicos globalizados) foi considerada “feia” e passou por uma reformulação em fevereiro de 2018, que substituiu os apóstrofes por acentos agudos. Na transcrição eu apresento uma frase na primeira versão e na versão definitiva. Quase nada muda (ver abaixo).

Então, por exemplo, República do Cazaquistão, que no formato inicial seria escrita como Qazaqstan Respy’bli’kasy virou Qazaqstan Respýblíkasy. Essa última versão parece ter agradado mais.

“Está mais bonito!”, exclamou Asset Kaipiyev, dono de um pequeno restaurante em Astana, capital do Cazaquistão, ao ver o novo formato do alfabeto.

Kaipiyev abriu s eu restaurante em dezembro de 2017 com o nome de Sa’biz, soletrado com a primeira versão do alfabeto latino, com apóstrofe. Mas todo seu material de marketing – do guardanapo ao enorme letreiro – terá que ser substituído. Kaipiyev não cogitou a hipótese de o governo rever o alfabeto e agora estima gastar R$ 12 mil com a mudança.

O que Kaipiyev e outros donos de pequenos negócios estão passando afetará em maior escala todo o país, que precisará mudar desde documentos oficiais a livros didáticos, além de ensinar à população a nova escrita.

De acordo com o censo de 2016, 63% da população são cazaques, 24% são de origem russa, 3% uzbeque e o restante de outras minorias como uigures, tártaros e outros.

Atualmente, o cazaque e o russo são as línguas oficiais. Mas os anos sob domínio do governo soviético levou o russo a ser falado pela maioria do Cazaquistão – quase 94% dos mais de 18 milhões de cidadãos (bem menor que a região metropolitana de São Paulo) são fluentes na língua. A fluência em cazaque é de 74%.

Enquanto isto, a frequência de uso da língua depende da região. Províncias do Norte e centros urbanos influenciados pela Rússia, como Almaty e a capital, Astana, usam o russo tanto nas ruas quanto nos escritórios do governo. No Sul e Oeste, o cazaque é mais usado.

A mídia estatal anunciou que o orçamento do governo para a transição dos próximos sete anos – dividida em três etapas – será de 218 bilhões de tenges (coisa de R$ 2,4 bilhões). Do total, cerca de 90% seriam investidos em educação.

A primeira etapa, entre 2018 e 2020, inclui a criação de um departamento governamental para coordenar a transição, a tradução de livros e outros materiais didáticos e o treinamento de professores. 

Na segunda, entre 2021 e 2023, a nova escrita será introduzida ao público e as diretrizes de ensino serão atualizadas. 

Na última, prevista para 2024 e 2025, ocorrerá a tradução de documentos oficiais e das notícias da mídia estatal, e será expandida ainda a campanha de “conscientização”.

Especialistas estimam que os professores terão que estudar todos os dias durante um mês. E para as crianças, não serão necessárias mais que dez aulas, pois elas aprendem mais rápido que os adultos (isso a gente já sabe).

Sem um detalhamento dos gastos em cada rubrica, economistas têm tido dificuldade de mensurar os custos da empreitada. É… vai custar muitos tenges.

Um impacto difícil de medir seria a fuga de cérebros. Se a reforma não for bem implementada, há grandes riscos de que as  pessoas altamente qualificadas que falam russo, incluindo alguns da etnia cazaque, considerem a emigração. Eles correm risco de perder boas oportunidades profissionais durante todo o período de adaptação. 

Esse risco ficou evidente em fevereiro de 2018, quando o presidente Nazarbayev, bilíngue, ordenou que todas as reuniões de gabinete fossem realizadas em cazaque. 

Como o russo há muito tempo é a língua para os assuntos de Estado, o comando do governo por russos muitas vezes supera o de cazaques. Com isso, uma reunião transmitida pela TV ao vivo mostrou oficiais com dificuldades de se expressar, alguns optaram até pela tradução simultânea.

Além disso, documentos de identidade, passaportes, leis e regulamentações – toda a papelada que o governo  precisam para funcionar – terá que ser traduzida. O governo anunciou que isto fará parte da terceira etapa da transição, mas não especificou o quanto irá custar.

Outra mudança ainda sem orçamento definido é a implementação do novo alfabeto pela mídia estatal. Para se usar o novo alfabeto, será preciso treinar as pessoas primeiro, e então adaptar toda a infraestrutura de TI ao novo formato. O custo, segundo alguns, ficaria em torno de R$ 56 a R$ 112 milhões.

E esses são números apenas para o setor público. O setor privado teria que fazer isso por conta própria, obviamente. Poderia gastar o dobro, ou dez vezes mais. Isto depende do quão rígido o governo será; por exemplo, será exigida a mudança no período de um único ano? É possível que sim. Pois, governo implantando agenda política é algo incontrolável e imprevisível, né?!

Há o temor ainda que a população, especialmente os mais idosos, tenha dificuldades para ler e escrever com o alfabeto latino. Por isso, a comunicação no setor público talvez tenha que ser realizada em várias línguas. Isso pode ser chamado de “o ônus da língua”, porque todo documento do setor público teria que ser escrito em russo, cazaque e com o novo alfabeto cazaque… Para isso seria preciso empregar tradutores, destacando que esse custo também não foi descrito em nenhum orçamento, até o momento.

Estima-se que a transição completa custaria algo em torno de R$ 3,7 bilhões, mais de um bilhão acima do previsto pelo governo cazaque. 

Alguns burocratas estatais consideram, por exemplo, que os custos da tradução de documentos serão inseridos no orçamento usual do país. Afirmando que as despesas reais serão apenas para programas informativos para apoiar a transição. Outros acreditam que o orçamento anual não ultrapassará R$ 33 milhões entre 2018 e 2025. (Pô… eles são pior que a gente, esse treco vai custar bilhões! Mas deixa meus palpites pra lá, vamos em frente).

O governo sabe que a transição do alfabeto é algo “difícil de vender” e que não trará retorno direto em investimentos. Por isso, o próprio governo divulga que o processo deve ser visto mais como um programa de desenvolvimento social e cultural. É mais uma questão de identidade nacional que todos devem estar prontos para pagar (como sempre).

Economistas creem que a economia sofrerá uma desaceleração por conta das divisões políticas que surgirão da mudança na escrita. Enquanto alguns especulam que a decisão de Nazarbayev sinaliza o esfriamento da relação com a Rússia, acredita-se que ela também poderia enfraquecer as relações comerciais com as antigas repúblicas soviéticas.

Hoje até 10% do fluxo de comércio entre Rússia, Cazaquistão e Ucrânia ocorre pela conveniência da língua compartilhada, que de certa forma se traduz numa proximidade de cultura e mentalidade. Isso também significa que os cazaques que falam russo têm mais mobilidade econômica entre os países. Enquanto isto, o Azerbaijão e a Geórgia, nações não fluentes em russo, têm relações comerciais mais fracas com o Cazaquistão.

Por outro lado, ter um alfabeto latino significa estar mais integrado ao mundo ocidental. 

A Turquia, por exemplo, fez a transição do alfabeto árabe para o latino em 1928, o que a levou a formar alianças com a União Europeia e travar negociações para se tornar um de seus membros – resfriadas recentemente, graças ao maluco do Erdogan.

A Turquia há muito é exemplo de como a modernização da língua e dos sistemas legais elevaram sua posição a potência econômica. Mas esse progresso se deve, principalmente, à expansão da alfabetização e ao firme controle de Mustafa Kemal Atatürk, fundador da República da Turquia, no início do século 20.

A transição para o alfabeto latino, que ocorreu em 28, foi realizada muito rapidamente, numa época que poucos turcos sabiam ler e escrever. Atatürk precisava de pessoas educadas para que seu país estivesse no mesmo nível que a Europa e os Estados Unidos, e parte do impulso da educação foi o novo alfabeto.

A transição do Cazaquistão tem mais relação com o afastamento de seu passado soviético do que com a educação ou economia, é obvio, claro e cristalino. É um argumento político, uma demonstração que é um Estado independente, moderno, que é uma nação.

Talvez por isso, especialmente os jovens estão celebrando o novo alfabeto. Pesquisas feitas na última década pelo instituto linguístico mostram que, em 2007, 47% dos jovens entre 18 e 25 anos apoiavam a mudança. Em 2016, a adesão nessa faixa etária saltou para 80%.

É a escolha das pessoas, da nação. E o novo alfabeto está conectado com os sonhos e ao futuro cazaque. Isto mostra que a história de um Cazaquistão independente da Rússia está finalmente começando.

Apesar do custo adicional ao seu negócio, Kaipiyev, o dono do restaurante Sa’biz, apoia integralmente a mudança. Em suas palavras:

”Queremos nos conectar com a Europa e a América e com outros países. Isto vai nos ajudar a virar a página para o próximo capítulo”.

Mas Kaipiyev não deve mudar o material de seu restaurante de imediato. Depois de refletir por um momento, ele finaliza:

“Acho que vou deixar assim por enquanto. Mudarei quando as pessoas realmente conseguirem ler o que está escrito”.

Nota Final:

Após a gravação deste episódio e antes de sua publicação Nursultan Nazarbayev de 78 anos, presidente por quase 30 anos do Cazaquistão, desde a queda da União Soviética em 1991, transferiu em 19 de Março de 2019 a presidência do país para o presidente do Senado Kazaque, Kassym-Jomart Tokayev. 

Ao que parece esta atitude possui outros interesses de Nursultan já que ainda é mantido como chefe do conselho de segurança, como líder do Nur Otan o partido que domina o parlamento e ainda manterá  título legal de líder da nação.

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Transcrição Ex Libris – S01e19

S01e19 Bio On Demand

[Tecnologia] – Uma maleta de dar inveja ao James Bond

Como fazer produtos biológicos sob demanda

Olá, eu sou Sérgio Vieira e este é o 19º episódio da primeira temporada do Ex-Libris, um podcast rápido e ligeiro sobre Política, Comportamento Humano, Ciência, Tecnologia e Cultura. A cada episódio um tema. 

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Começa agora o Ex-Libris sobre Tecnologia de 23 de dez de 2018.

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Ter à mão produtos biofarmacêuticos em áreas remotas normalmente é muito difícil, às vezes, até impossível. Pesquisadores financiados pela Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa dos EUA (a DARPA gente… U.S. Defense Advanced Research Projects Agency)  estão tentando mudar tudo  isso. 

Eles estão encontrando maneiras de aumentar rapidamente a produção de produtos biológicos quando são necessários. Um dos projetos se concentra na produção de proteínas em um sistema bem simples, de bancada. Um outro empacota todo o sistema em uma maleta de mão! 

Um dos mais sérios problemas em situações extremas como a de um médico do Exército dos EUA estacionado numa zona de conflito (pode escolher a zona que quiser… tem norte-americano em um monte delas por aí: Líbia, Iraque, Síria, Iêmen, Paquistão, Somália, não Somália não… lá eles só estão usando drones), ou de uma operação de auxílio humanitário da ONU nas Filipinas, p.ex., após mais um tufão devastador, não se restringe à dificuldade em acessar medicamentos, além das limitações de suprimentos, há o problema de armazenamento de certos biofármacos, como a insulina.

Nada como possuir algo como o sintetizador de comida da Enterprise da série Star Trek; ou seja, uma maquineta que pudesse sintetizar qualquer droga a qualquer momento, em qualquer quantidade, para atender situações austeras, em que hoje em dia, toda uma operação de logística é desperdiçada para levar e carregar caixas e caixas de remédios que podem não ser utilizados integralmente. 

A logística, então, seria apenas transportar alguns reagentes básicos e o laboratório portátil sintetizaria ‘in situ’ o que fosse necessário.

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Desde 2010, a DARPA possui um programa de medicina no campo de batalha. Onde o desafio aos pesquisadores foi o de encontrar maneiras de fabricar drogas, pequenas moléculas e produtos biofarmacêuticos em menos de 24 horas.

No início de 2018, duas equipes de pesquisa financiadas pela DARPA – uma do MIT [Instituto de Tecnologia de Massachusetts] e uma da Universidade de Maryland – responderam ao desafio, desenvolvendo sistemas modulares capazes de produzir terapias protéicas sob demanda. 

Espera-se que tais sistemas e outros semelhantes sejam melhorados, otimizados em breve permitindo que biofármacos, também conhecidos como produtos biológicos, sejam produzidos em ambientes remotos por médicos militares. 

Obviamente o mesmo tipo de tecnologia pode tornar mais fácil e barato o fornecimento de outros medicamentos e vacinas em todo o mundo. E em países desenvolvidos, que já têm acesso a produtos biológicos, as tecnologias subjacentes podem abrir caminho para medicamentos verdadeiramente personalizados.

Bem… aqui nem vou desenvolver o outro lado dessa moeda. Afinal, drogas são drogas, né? Agentes biológicos são agentes biológicos, vai daí…

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Um dos objetivos da DARPA na sintetização de produtos biológicos sob demanda é eliminar a necessidade de refrigerar drogas, como a  insulina. O armazenamento a frio precisa de energia, e isso é um grande problema quando se está lidando com ambientes extremos que carecem de infraestrutura, como as frentes militares sejam elas humanitárias ou de batalha. 

Fabricar insulina e qualquer e produto biológico no local e depois entregá-los imediatamente aos pacientes eliminaria a necessidade de estoque climatizado.

A DARPA também quer reduzir a necessidade de estocar produtos biológicos como contramedidas no caso de ataques químicos, biológicos, radiológicos ou nucleares. Essas drogas raramente precisam ser usadas e precisam ser substituídas à medida que elas expiram. Os estoques menores poderiam ser mantidos para uso imediato, e mais drogas poderiam ser feitas localmente em resposta às epidemias ou ataques.

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Os biofármacos são normalmente sintetizados em lotes em enormes reatores de grande escala, com milhares de litros de volume, por células geneticamente modificadas para produzir as proteínas desejadas. 

No caso da bactéria E. coli, as células devem ser rompidas para recuperar as proteínas. No caso de células de levedura ou de ovário de hamster chinês (CHO), as células secretam as proteínas, o que simplifica a purificação. 

A troca de um desses sistemas de uma molécula para outra pode levar meses. Tais reatores de larga escala são mais eficientes quando usados ​​para produzir proteínas para uma grande população de pacientes. As empresas visam otimizar sua cadeia de suprimentos ao longo de um período de aproximadamente dois anos, mas obter tais previsões corretamente pode ser um desafio.

Tradicionalmente, a fabricação de classes mais amplas de produtos biofarmacêuticos – de enzimas a hormônios e citocinas – requer processos únicos e personalizados, além de instalações exclusivas projetadas para cada molécula.

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Como produtos biológicos podem ser produzidos em até 24 horas? 

Bem… O sistema que a equipe do MIT criou, chamado Integrated Scalable Cyto-Technology, ou InSCyT, usa células de levedura Pichia pastoris para produzir vários medicamentos em um sistema de fabricação de bancada. 

O genoma da levedura é pequeno o suficiente; por cerca de 30 dólares, você pode sequenciar a coisa toda. A acessibilidade dessa biologia possibilita pensar em sintonizar o hospedeiro para produzir as moléculas de interesse com a precisão necessária para os biofármacos. Com novas ferramentas de sequenciamento e edição de genoma, os pesquisadores podem rapidamente adaptar a levedura para produzir novas proteínas.

Conhecer bem a biologia da levedura também permite que a equipe do MIT preveja quais proteínas das células hospedeiras podem contaminar seu produto biológico. Tipicamente, a indústria biofarmacêutica programa células CHO para bombear produtos biológicos selecionados. 

As indústrias usam células CHO porque são células de mamíferos que podem realizar as modificações pós-tradução muitas vezes necessárias para proteínas terapêuticas. Mas essas células, mais complexas que a levedura, geram cerca de 2.000 proteínas contaminantes além da terapêutica desejada. Com a levedura, apenas cerca de 200 proteínas hospedeiras acabam no meio da cultura celular com o produto, facilitando, assim, a purificação.

A turma do MIT ressalta que o sistema InSCyT tem todos os componentes da bio-manufatura convencional, só que em menor escala. O que conseguiram tem os mesmos elementos de fabricação que geralmente se espera de uma instalação típica.

O InSCyT é composto por três módulos. A fermentação ocorre em um módulo de produção. O meio de cultura de células desse módulo, com o produto protéico, flui através de tubos para um sistema de cromatografia num módulo de purificação. Finalmente, a proteína purificada é filtrada em um módulo de formulação.

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Em contraste ao sistema do MIT, o outro sistema financiado pela DARPA funciona sem células. 

Chamado de Bio-MOD (Biological-derived Medicines on Demand), o sistema projetado por uma equipe da Universidade de Maryland, em Baltimore, cabe em uma mala de 90cm, ou melhor, 89 cm.

Os pesquisadores agora estão trabalhando em uma versão ainda menor, que caiba em uma pasta.

Em vez de usar células, o Bio-MOD trabalha com extratos liofilizados de células CHO. Os extratos contêm a transcrição genética e a maquinaria de tradução das células que a Bio-MOD usa para sintetizar a terapêutica de proteínas. 

Em comparação com o sistema do MIT, o da Universidade de Maryland é modularmente semelhante, incluindo módulos de produção e purificação de proteína de uso único que podem ser inseridos na mala.

Uma das principais vantagens dos sistemas sem células é a velocidade. Por outro lado, o sistema baseado em células do MIT pode produzir centenas de milhares de doses de produtos biológicos protéicos em cerca de três dias.

A outra vantagem dos sistemas livres de células é que a refrigeração não é necessária durante o transporte. Os extratos de células liofilizadas que o Bio-MOD usa são como leite em pó.

Explicando: leite fresco é um produto perecível que precisa ser refrigerado, todo mundo sabe. Quando descobriram que é possível fazer leite em pó, isso revolucionou a nutrição em todo o mundo. Você poderia ter algo que é estável na prateleira. Basta adicionar água quando precisa e voilá… leite pronto. O miojo também tá aí pra provar que é isso mesmo.

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Os extratos de células funcionam de uma maneira semelhante, cataliza-se, hidrata-se e pronto. O grupo da Universidade de Maryland mostrou que mesmo células de sangue humano podem servir como fonte de extratos livres de células.

Eles vêem… o grupo de Maryland…  esses extratos sendo particularmente úteis para obter vacinas. Em tais casos, os pesquisadores podem extrair sangue de indivíduos, fazer o extrato, usá-lo no sistema Bio-MOD para produzir uma proteína, como um antígeno de vacina, e injetá-lo de volta na mesma pessoa.

Esse processo seria especialmente útil para lidar com surtos e epidemias. Se você pudesse fazer a vacina no ponto de atendimento, poderia administrá-la imediatamente a todas as pessoas da vizinhança e eliminar os possíveis surtos. Injetar a vacina de volta na mesma pessoa reduziria ou até eliminaria a necessidade de rastreio de vírus ou imunogenicidade.

O Bio-MOD da Universidade de Maryland tem algumas desvantagens. Os sistemas de produção sem células são geralmente adequados para produzir pequenas quantidades de proteínas. E mais purificação é necessária para remover os restos celulares.

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A DARPA vê benefícios em ambos os sistemas, bem como suas aplicações distintas.

O produto liofilizado da Universidade de Maryland pode ​​ser armazenado de forma bastante robusta na prateleira a temperatura e umidade relativamente elevadas. Você pode imaginar isso sendo usado em um ambiente muito austero. 

O Bio-MOD é apropriado para missões de operações especiais envolvendo um pequeno número de indivíduos que precisam de proteção contra ameaças específicas.

O sistema de bancada do MIT, por outro lado, poderia ser usado para substituir os estoques biofarmacêuticos. A raridade de ataques químicos e outros tipos de ataques significa que esses estoques são raramente usados. 

Você poderia pensar nisso como uma manufatura aditiva para a indústria farmacêutica, onde você poderia produzir o que você precisa quando você precisa, ou seja, prevenção para cenários de surto epidêmico ou de evento de exposição massiva. 

Com um deslocamento rápido, de horas, o sistema é capaz de permitir a produção de centenas de doses por dia apenas com sua operação em escala laboratorial. Você poderia imaginar escalonar isso para fazer milhares de doses por dia dependendo apenas da distribuição geográfica das unidades.

Ambos os projetos demonstraram que poderiam produzir uma variedade de moléculas, incluindo proteínas terapêuticas e antígenos para vacinas. Entre eles está o fator estimulante de colônias de granulócitos (G-CSF), uma proteína que é administrada em resposta à exposição à radiação. 

Uma versão genérica do G-CSF foi sintetizada e aprovada pela Food & Drug Administration dos EUA, portanto, é uma terapia protéica bem compreendida que as equipes do MIT e do Universidade de Maryland certamente usaram para testar seus sistemas.

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Outras organizações, além da DARPA, estão interessadas em bio-manufatura sob demanda para tornar mais fácil e barato o fornecimento de produtos biológicos em todo o mundo. 

A maioria dessas outras organizações e pesquisadores está focada em desenvolver e produzir sistemas livres de células por causa de sua capacidade de trabalhar em uma infinidade de ambientes. A primeira vez que extratos de células liofilizadas foram usados ​​para produzir proteínas foi por um grupo da Brigham Young University em 2014.

Mais ou menos na mesma época uma outra equipe do MIT também criou extratos celulares liofilizados, que eventualmente aplicaram à bio-manufatura portátil sob demanda.

A fabricação de proteínas sem células segue o fluxo: Extratos de células liofilizadas e plasmídeos (moléculas de DNA extra cromossomos que podem ser passadas de bactéria à bactéria, carregando consigo informações genéticas – e até mesmo novos genes) são misturados e reidratados para completar a síntese. Tipo um miojão…

Sistemas sem células podem melhorar a saúde global, abrindo uma portabilidade para os profissionais de saúde em áreas de baixa renda; para militares ou viagens espaciais, exploradores ou atletas, ou seja produzindo quantidades modestas em áreas de recursos limitados.

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A bio-manufatura sob demanda tem o potencial de reduzir os custos de produção de produtos biológicos para pequenos grupos de pacientes, e até mesmo para pacientes individuais.

Na Holanda, esse objetivo está a caminho de se tornar realidade. Um grupo de pesquisadores da Universidade de Utrecht conduzem um programa-piloto no qual fazem terapias biológicas sob demanda para pacientes individuais.

A economia, obviamente, é um dos dos impulsionadores da pesquisa. Os preços estão aumentando ao mesmo tempo em que a eficácia média de novos medicamentos está diminuindo. Isso é fato.

A indústria biofarmacêutica desde sempre não é, nunca foi, ou será por enquanto, projetada para o próximo passo do cuidado farmacêutico, que é a medicina personalizada.

A equipe de Utrecht está produzindo produtos biológicos na farmácia do hospital a custos 5% maiores que os da indústria e ainda assim tem lucro. Esse modelo pode ser considerado o equivalente biológico ao de uma farmácia de manipulação.

Os holandeses começaram com o tratamento para o linfoma (um câncer dos glóbulos brancos que pode se tornar resistente às terapias com anticorpos). Por causa desta resistência, os médicos precisam de outra maneira de direcionar as células cancerosas de um paciente. 

Uma vez que um novo biomarcador para as células é encontrado, a equipe da Universidade de Utrecht pode produzir um anticorpo monoclonal personalizado para combiná-lo e estar pronto para tratar a pessoa. 

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Haverá sempre a necessidade de uma indústria farmacêutica para grandes populações de pacientes e para a produção em massa de drogas. Mas a ideia holandesa é fazer apenas a quantidade necessária para um ano de tratamento. As formas de dosagem feitas pela indústria farmacêutica resultam frequentemente na necessidade de descartar produtos não utilizados. 

Pois é… somos capazes de criar e desenvolver inúmeras coisas que nos facilitam a vida, e ao mesmo tempo ter como sub-produto desta mesma criação aquilo que pode sufocar nossa estrutura econômica. 

Precisamos urgentemente rever toda nossa estrutura de produção e consumo. 

O tempo já se esgotou, ultrapassamos o limite do mínimo impacto.

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