Transcrição Ex Libris – S01e19

[Tecnologia] – Uma maleta de dar inveja ao James Bond

Como fazer produtos biológicos sob demanda

Olá, eu sou Sérgio Vieira e este é o 19º episódio da primeira temporada do Ex-Libris, um podcast rápido e ligeiro sobre Política, Comportamento Humano, Ciência, Tecnologia e Cultura. A cada episódio um tema. 

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Começa agora o Ex-Libris sobre Tecnologia de 23 de dez de 2018.

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Ter à mão produtos biofarmacêuticos em áreas remotas normalmente é muito difícil, às vezes, até impossível. Pesquisadores financiados pela Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa dos EUA (a DARPA gente… U.S. Defense Advanced Research Projects Agency)  estão tentando mudar tudo  isso. 

Eles estão encontrando maneiras de aumentar rapidamente a produção de produtos biológicos quando são necessários. Um dos projetos se concentra na produção de proteínas em um sistema bem simples, de bancada. Um outro empacota todo o sistema em uma maleta de mão! 

Um dos mais sérios problemas em situações extremas como a de um médico do Exército dos EUA estacionado numa zona de conflito (pode escolher a zona que quiser… tem norte-americano em um monte delas por aí: Líbia, Iraque, Síria, Iêmen, Paquistão, Somália, não Somália não… lá eles só estão usando drones), ou de uma operação de auxílio humanitário da ONU nas Filipinas, p.ex., após mais um tufão devastador, não se restringe à dificuldade em acessar medicamentos, além das limitações de suprimentos, há o problema de armazenamento de certos biofármacos, como a insulina.

Nada como possuir algo como o sintetizador de comida da Enterprise da série Star Trek; ou seja, uma maquineta que pudesse sintetizar qualquer droga a qualquer momento, em qualquer quantidade, para atender situações austeras, em que hoje em dia, toda uma operação de logística é desperdiçada para levar e carregar caixas e caixas de remédios que podem não ser utilizados integralmente. 

A logística, então, seria apenas transportar alguns reagentes básicos e o laboratório portátil sintetizaria ‘in situ’ o que fosse necessário.

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Desde 2010, a DARPA possui um programa de medicina no campo de batalha. Onde o desafio aos pesquisadores foi o de encontrar maneiras de fabricar drogas, pequenas moléculas e produtos biofarmacêuticos em menos de 24 horas.

No início de 2018, duas equipes de pesquisa financiadas pela DARPA – uma do MIT [Instituto de Tecnologia de Massachusetts] e uma da Universidade de Maryland – responderam ao desafio, desenvolvendo sistemas modulares capazes de produzir terapias protéicas sob demanda. 

Espera-se que tais sistemas e outros semelhantes sejam melhorados, otimizados em breve permitindo que biofármacos, também conhecidos como produtos biológicos, sejam produzidos em ambientes remotos por médicos militares. 

Obviamente o mesmo tipo de tecnologia pode tornar mais fácil e barato o fornecimento de outros medicamentos e vacinas em todo o mundo. E em países desenvolvidos, que já têm acesso a produtos biológicos, as tecnologias subjacentes podem abrir caminho para medicamentos verdadeiramente personalizados.

Bem… aqui nem vou desenvolver o outro lado dessa moeda. Afinal, drogas são drogas, né? Agentes biológicos são agentes biológicos, vai daí…

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Um dos objetivos da DARPA na sintetização de produtos biológicos sob demanda é eliminar a necessidade de refrigerar drogas, como a  insulina. O armazenamento a frio precisa de energia, e isso é um grande problema quando se está lidando com ambientes extremos que carecem de infraestrutura, como as frentes militares sejam elas humanitárias ou de batalha. 

Fabricar insulina e qualquer e produto biológico no local e depois entregá-los imediatamente aos pacientes eliminaria a necessidade de estoque climatizado.

A DARPA também quer reduzir a necessidade de estocar produtos biológicos como contramedidas no caso de ataques químicos, biológicos, radiológicos ou nucleares. Essas drogas raramente precisam ser usadas e precisam ser substituídas à medida que elas expiram. Os estoques menores poderiam ser mantidos para uso imediato, e mais drogas poderiam ser feitas localmente em resposta às epidemias ou ataques.

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Os biofármacos são normalmente sintetizados em lotes em enormes reatores de grande escala, com milhares de litros de volume, por células geneticamente modificadas para produzir as proteínas desejadas. 

No caso da bactéria E. coli, as células devem ser rompidas para recuperar as proteínas. No caso de células de levedura ou de ovário de hamster chinês (CHO), as células secretam as proteínas, o que simplifica a purificação. 

A troca de um desses sistemas de uma molécula para outra pode levar meses. Tais reatores de larga escala são mais eficientes quando usados ​​para produzir proteínas para uma grande população de pacientes. As empresas visam otimizar sua cadeia de suprimentos ao longo de um período de aproximadamente dois anos, mas obter tais previsões corretamente pode ser um desafio.

Tradicionalmente, a fabricação de classes mais amplas de produtos biofarmacêuticos – de enzimas a hormônios e citocinas – requer processos únicos e personalizados, além de instalações exclusivas projetadas para cada molécula.

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Como produtos biológicos podem ser produzidos em até 24 horas? 

Bem… O sistema que a equipe do MIT criou, chamado Integrated Scalable Cyto-Technology, ou InSCyT, usa células de levedura Pichia pastoris para produzir vários medicamentos em um sistema de fabricação de bancada. 

O genoma da levedura é pequeno o suficiente; por cerca de 30 dólares, você pode sequenciar a coisa toda. A acessibilidade dessa biologia possibilita pensar em sintonizar o hospedeiro para produzir as moléculas de interesse com a precisão necessária para os biofármacos. Com novas ferramentas de sequenciamento e edição de genoma, os pesquisadores podem rapidamente adaptar a levedura para produzir novas proteínas.

Conhecer bem a biologia da levedura também permite que a equipe do MIT preveja quais proteínas das células hospedeiras podem contaminar seu produto biológico. Tipicamente, a indústria biofarmacêutica programa células CHO para bombear produtos biológicos selecionados. 

As indústrias usam células CHO porque são células de mamíferos que podem realizar as modificações pós-tradução muitas vezes necessárias para proteínas terapêuticas. Mas essas células, mais complexas que a levedura, geram cerca de 2.000 proteínas contaminantes além da terapêutica desejada. Com a levedura, apenas cerca de 200 proteínas hospedeiras acabam no meio da cultura celular com o produto, facilitando, assim, a purificação.

A turma do MIT ressalta que o sistema InSCyT tem todos os componentes da bio-manufatura convencional, só que em menor escala. O que conseguiram tem os mesmos elementos de fabricação que geralmente se espera de uma instalação típica.

O InSCyT é composto por três módulos. A fermentação ocorre em um módulo de produção. O meio de cultura de células desse módulo, com o produto protéico, flui através de tubos para um sistema de cromatografia num módulo de purificação. Finalmente, a proteína purificada é filtrada em um módulo de formulação.

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Em contraste ao sistema do MIT, o outro sistema financiado pela DARPA funciona sem células. 

Chamado de Bio-MOD (Biological-derived Medicines on Demand), o sistema projetado por uma equipe da Universidade de Maryland, em Baltimore, cabe em uma mala de 90cm, ou melhor, 89 cm.

Os pesquisadores agora estão trabalhando em uma versão ainda menor, que caiba em uma pasta.

Em vez de usar células, o Bio-MOD trabalha com extratos liofilizados de células CHO. Os extratos contêm a transcrição genética e a maquinaria de tradução das células que a Bio-MOD usa para sintetizar a terapêutica de proteínas. 

Em comparação com o sistema do MIT, o da Universidade de Maryland é modularmente semelhante, incluindo módulos de produção e purificação de proteína de uso único que podem ser inseridos na mala.

Uma das principais vantagens dos sistemas sem células é a velocidade. Por outro lado, o sistema baseado em células do MIT pode produzir centenas de milhares de doses de produtos biológicos protéicos em cerca de três dias.

A outra vantagem dos sistemas livres de células é que a refrigeração não é necessária durante o transporte. Os extratos de células liofilizadas que o Bio-MOD usa são como leite em pó.

Explicando: leite fresco é um produto perecível que precisa ser refrigerado, todo mundo sabe. Quando descobriram que é possível fazer leite em pó, isso revolucionou a nutrição em todo o mundo. Você poderia ter algo que é estável na prateleira. Basta adicionar água quando precisa e voilá… leite pronto. O miojo também tá aí pra provar que é isso mesmo.

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Os extratos de células funcionam de uma maneira semelhante, cataliza-se, hidrata-se e pronto. O grupo da Universidade de Maryland mostrou que mesmo células de sangue humano podem servir como fonte de extratos livres de células.

Eles vêem… o grupo de Maryland…  esses extratos sendo particularmente úteis para obter vacinas. Em tais casos, os pesquisadores podem extrair sangue de indivíduos, fazer o extrato, usá-lo no sistema Bio-MOD para produzir uma proteína, como um antígeno de vacina, e injetá-lo de volta na mesma pessoa.

Esse processo seria especialmente útil para lidar com surtos e epidemias. Se você pudesse fazer a vacina no ponto de atendimento, poderia administrá-la imediatamente a todas as pessoas da vizinhança e eliminar os possíveis surtos. Injetar a vacina de volta na mesma pessoa reduziria ou até eliminaria a necessidade de rastreio de vírus ou imunogenicidade.

O Bio-MOD da Universidade de Maryland tem algumas desvantagens. Os sistemas de produção sem células são geralmente adequados para produzir pequenas quantidades de proteínas. E mais purificação é necessária para remover os restos celulares.

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A DARPA vê benefícios em ambos os sistemas, bem como suas aplicações distintas.

O produto liofilizado da Universidade de Maryland pode ​​ser armazenado de forma bastante robusta na prateleira a temperatura e umidade relativamente elevadas. Você pode imaginar isso sendo usado em um ambiente muito austero. 

O Bio-MOD é apropriado para missões de operações especiais envolvendo um pequeno número de indivíduos que precisam de proteção contra ameaças específicas.

O sistema de bancada do MIT, por outro lado, poderia ser usado para substituir os estoques biofarmacêuticos. A raridade de ataques químicos e outros tipos de ataques significa que esses estoques são raramente usados. 

Você poderia pensar nisso como uma manufatura aditiva para a indústria farmacêutica, onde você poderia produzir o que você precisa quando você precisa, ou seja, prevenção para cenários de surto epidêmico ou de evento de exposição massiva. 

Com um deslocamento rápido, de horas, o sistema é capaz de permitir a produção de centenas de doses por dia apenas com sua operação em escala laboratorial. Você poderia imaginar escalonar isso para fazer milhares de doses por dia dependendo apenas da distribuição geográfica das unidades.

Ambos os projetos demonstraram que poderiam produzir uma variedade de moléculas, incluindo proteínas terapêuticas e antígenos para vacinas. Entre eles está o fator estimulante de colônias de granulócitos (G-CSF), uma proteína que é administrada em resposta à exposição à radiação. 

Uma versão genérica do G-CSF foi sintetizada e aprovada pela Food & Drug Administration dos EUA, portanto, é uma terapia protéica bem compreendida que as equipes do MIT e do Universidade de Maryland certamente usaram para testar seus sistemas.

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Outras organizações, além da DARPA, estão interessadas em bio-manufatura sob demanda para tornar mais fácil e barato o fornecimento de produtos biológicos em todo o mundo. 

A maioria dessas outras organizações e pesquisadores está focada em desenvolver e produzir sistemas livres de células por causa de sua capacidade de trabalhar em uma infinidade de ambientes. A primeira vez que extratos de células liofilizadas foram usados ​​para produzir proteínas foi por um grupo da Brigham Young University em 2014.

Mais ou menos na mesma época uma outra equipe do MIT também criou extratos celulares liofilizados, que eventualmente aplicaram à bio-manufatura portátil sob demanda.

A fabricação de proteínas sem células segue o fluxo: Extratos de células liofilizadas e plasmídeos (moléculas de DNA extra cromossomos que podem ser passadas de bactéria à bactéria, carregando consigo informações genéticas – e até mesmo novos genes) são misturados e reidratados para completar a síntese. Tipo um miojão…

Sistemas sem células podem melhorar a saúde global, abrindo uma portabilidade para os profissionais de saúde em áreas de baixa renda; para militares ou viagens espaciais, exploradores ou atletas, ou seja produzindo quantidades modestas em áreas de recursos limitados.

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A bio-manufatura sob demanda tem o potencial de reduzir os custos de produção de produtos biológicos para pequenos grupos de pacientes, e até mesmo para pacientes individuais.

Na Holanda, esse objetivo está a caminho de se tornar realidade. Um grupo de pesquisadores da Universidade de Utrecht conduzem um programa-piloto no qual fazem terapias biológicas sob demanda para pacientes individuais.

A economia, obviamente, é um dos dos impulsionadores da pesquisa. Os preços estão aumentando ao mesmo tempo em que a eficácia média de novos medicamentos está diminuindo. Isso é fato.

A indústria biofarmacêutica desde sempre não é, nunca foi, ou será por enquanto, projetada para o próximo passo do cuidado farmacêutico, que é a medicina personalizada.

A equipe de Utrecht está produzindo produtos biológicos na farmácia do hospital a custos 5% maiores que os da indústria e ainda assim tem lucro. Esse modelo pode ser considerado o equivalente biológico ao de uma farmácia de manipulação.

Os holandeses começaram com o tratamento para o linfoma (um câncer dos glóbulos brancos que pode se tornar resistente às terapias com anticorpos). Por causa desta resistência, os médicos precisam de outra maneira de direcionar as células cancerosas de um paciente. 

Uma vez que um novo biomarcador para as células é encontrado, a equipe da Universidade de Utrecht pode produzir um anticorpo monoclonal personalizado para combiná-lo e estar pronto para tratar a pessoa. 

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Haverá sempre a necessidade de uma indústria farmacêutica para grandes populações de pacientes e para a produção em massa de drogas. Mas a ideia holandesa é fazer apenas a quantidade necessária para um ano de tratamento. As formas de dosagem feitas pela indústria farmacêutica resultam frequentemente na necessidade de descartar produtos não utilizados. 

Pois é… somos capazes de criar e desenvolver inúmeras coisas que nos facilitam a vida, e ao mesmo tempo ter como sub-produto desta mesma criação aquilo que pode sufocar nossa estrutura econômica. 

Precisamos urgentemente rever toda nossa estrutura de produção e consumo. 

O tempo já se esgotou, ultrapassamos o limite do mínimo impacto.

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O Ex-Libris, um podcast rápido e ligeiro – às vezes –  hoje sobre Tecnologia, acabou. 

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Saúde, paz, grato pela companhia e até a próxima

Ex-Libris, inteligência com propriedade.