Transcrição Ex Libris – S01e10

[Cultura] – Por que a ficção científica é atualmente o gênero literário mais importante 

Um historiador, uma sociedade complexa e tecnológica e o entretenimento funcionando como elemento divulgador de conhecimento e educacional. Até dá vontade de ser escritor.

Olá, eu sou Sérgio Vieira e este é o 10º episódio da primeira temporada do Ex-Libris, um podcast rápido e ligeiro sobre Política, Comportamento Humano, Ciência, Tecnologia e Cultura. A cada episódio um tema. Seja bem vindo e espero que esteja gostando do Ex-Libris.  Aguardo comentários e sugestões, afinal eu preciso saber se estou no caminho certo. Para tanto, basta dar um pulo lá no idigitais.com. 

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O badalado historiador Yuval Noah Harari crê que o gênero literário ficção científica tem o poder de moldar a opinião pública. Muito mais que todas as bobagens geradas pelos partidos e congressistas das últimas legislaturas, os quais conseguiram moldar da lama das instituições do Estado brasileiro um Coiso, mas… deixa pra lá, o tema hoje é cultura. Antes de prosseguir um aviso: não confunda este gênero literário com o gênero Fantasia, que os brasileiros adoram associar à Ficção Científica. Yuval Noah Harari, autor dos best-sellers Sapiens e  Homo Deus, é um grande fã de ficção científica, e inclui um capítulo inteiro sobre tal assunto em seu novo livro 21 Lessons for the 21st Century (21 lições para o século 21 em tradução livre).

“Atualmente, a ficção científica ou sci-fi é o gênero artístico mais importante para a sociedade”, diz Harari no episódio 325 do podcast Guia do Geek para a Galáxia [Geek’s Guide to the Galaxy] – este e outros links estão na transcrição deste episódio lá no idigitais.com. “Livros de sci-fi moldam a compreensão do público em geral sobre coisas como inteligência artificial e biotecnologia, as quais provavelmente mudarão nossas vidas e nossa sociedade mais do que qualquer outra coisa nas próximas décadas”. Se tudo andar como está andando, sempre pode surgir algo muito estúpido para a Humanidade que altere esse  progresso.

Como a ficção científica desempenha um papel tão importante na formação da opinião pública, ele gostaria de ver mais obras de ficção científica que lidam com questões realistas, tais como: Uma inteligência artificial, criando uma “classe inútil” permanente de trabalhadores. Já aviso – e com o aval do Marco Gomes: Motoristas e redatores coloquem suas barbas de molho… Um cenário já real é a utilização de Inteligência Artificial e Big Data para operar automóveis autônomos (e em breve caminhões de carga), bem como para vasculhar o WhatsApp de milhões de pessoas e por meio da filtragem dos assuntos mais replicados segundo a segundo, para pautar um impulsionamento com fins comerciais e/ou políticos, algo assim como um jornalismo imediato, seja de real news ou fake news. [parênteses] – Eu ainda não tive notícia de alguma Start Up com IA e Big Data fazendo jornalismo do tipo break news. Não duvido que Google e Facebook já estejam fazendo isso… Mas se não estiverem e aparecer alguma Startup unicórnio por aí, a idéia é MINHA! [fechando os parênteses]. Harari nesta entrevista também afirma que: “Se você quiser aumentar a conscientização pública sobre tais questões –  Inteligência Artificial e Biotech – um bom filme de ficção científica poderia valer não um, mas sim uma centena de artigos na Science, Cell, Nature, ou no New York Times”. Lembro aqui a riqueza de informações científicas atuais disponíveis em filmes como Contato de 1997, Interestelar de 2014 e Arrival (A chegada) de 2016 e o  quanto dessas informações foram dissecados pelos fãs de sci-fi e a comunidade científica.

Mas, em contraponto, o mesmo Harari salienta que a disponibilidade de muitas obras de ficção científica faz com elas tendam a se concentrar em cenários fantasiosos ou extravagantes. Né, tchurmina das Espadas de Vidro e o Trono de Carvão – volume I, obviamente? Acho que só o Cardoso vai entender a referência. Mas, vamos lá… De acordo com Harari: “Na maioria dos livros de ficção científica e filmes sobre inteligência artificial, o enredo principal gira em torno do momento em que o computador ou o robô ganha consciência e começa a ter sentimentos”. Nessa hora é que o prof. Miguel Nicolelis se retorce na poltrona muito mais que comemorando um gol do Palestra. O historiador considera que isso – a concentração em cenários fantasiosos e extravagantes – desvia a atenção do público dos problemas reais e importantes para coisas que provavelmente não acontecerão tão cedo assim. Inteligência Artificial e Biotecnologia podem ser dois dos problemas mais críticos que a humanidade enfrenta, mas Harari observa que eles são apenas um pontinho no radar político. Ele acredita que os autores de ficção científica e cineastas precisam fazer tudo o que puderem para mudar isso.

“As tecnologias certamente – continua Harari – não são ferramentas de aniquilação, meios de se chegar um armagedon. Ainda podemos agir e regular estas mesmas tecnologias para evitar os piores cenários e usá-las principalmente para o bem”. Lembro que a lasca de silex do paleolítico servia para abater, retirar a pele e descarnar um animal para alimentação de nossos ancestrais como também para matar outro nosso ancestral. Tecnologia é isso: serve, se para o bem ou para mal, depende do uso. É questionável quantas vezes um ser humano pode se reinventar durante sua vida – e sua vida, com os avanços da biotecnologia – já é e provavelmente será mais longa, e seus anos de trabalho também serão mais longos. Então você seria capaz de se reinventar quatro, cinco, seis vezes durante a sua vida? O estresse psicológico é imenso. Eu gostaria de ver – diz Harari –  um filme de ficção científica que explora a questão bastante mundana de alguém ter que se reinventar, então no final do filme – assim que ele se acomodasse nesse novo trabalho, após um período de longa transição, difícil – alguém vem e anuncia: “Ah, desculpe, seu novo trabalho acaba de ser automatizado, você tem que começar da estaca zero e se reinventar novamente.”

“A única questão deixada em aberto depois de terminar de ler 1984 de George Orwell, publicado em 1949 é: Como podemos evitar esse processo e não chegar lá?” [parenteses novamente] – Para nós brasileiros a certeza é: putamerda, chegamos lá…[fechando o parênteses]. Repetindo o texto para manter a fluidez e o entendimento: A única questão deixada em aberto ao fim do livro 1984 é: Como não chegar naquilo? Mas com Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, publicado em 1932, é muito, mas muito mais difícil.  Todos personagens de Huxley estão plenos e felizes e satisfeitos com tudo o que acontece. Não há rebeliões, não há revoluções, não há polícia secreta, há apenas sexo livre e rock and roll, drogas e tudo o mais. E, no entanto, você tem esse sentimento muito desagradável de que algo está errado, e é muito difícil apontar o que está errado em uma sociedade em que você hackeou as pessoas de modo que elas fiquem satisfeitas o tempo todo. Quando foi publicado, era óbvio para todos que esta era uma distopia assustadora, mas hoje, cada vez mais pessoas lêem o livro de Huxley como uma utopia, assim…  sem sobressaltos ou estranhamentos maiores. Eu creio que essa mudança é muito interessante e diz muito sobre as mudanças em nossa visão de mundo no último século.”

Um outro ponto sobre extensão da vida é abordado por Harari em sua busca de roteiros inusitados: “Que tipo de relações entre pais e filhos teríamos  quando os pais soubessem que não vão morrer e deixar seus filhos para trás? Se você vive 200 anos, e, ‘quando eu tinha 30 anos eu tive esse filho, e ele agora tem 170, mas isso foi há mais de uma século e meio, essa foi uma parte tão pequena da minha vida’. Que tipo de relação você tem em tal sociedade? Eu acho que essa é outra idéia maravilhosa para um filme de ficção científica – sem rebeliões de robôs, sem um grande apocalipse, sem um governo tirânico – apenas um filme simples sobre a relação entre mãe e filho quando a mãe tem 200 anos e o filho tem 170.” Finaliza Harari. Eu mesmo tive a oportunidade de conhecer uma senhora de 92 anos e sua filha de 77 e a relação entre ambas era algo que beirava o companheirismo, algo distante da relação mãe e filha do tipo 20 – 45 (hoje em dia um caso um tantinho escasso devo concordar). Há alguns anos as mulheres pararam de ter filhos logo após a faculdade, agora elas os têm quando a vida profissional está consolidada.

No quesito tecnologia Harari finaliza: “Você poderia ter imaginado há 50 anos que o ser humano desenvolveria um enorme mercado para transplantes de órgãos, em que países em desenvolvimento seriam enormes fazendas em que milhões de pessoas poderiam ter seus órgãos retirados e depois vendidos para pessoas ricas em países mais desenvolvidos. Tal mercado valeria centenas de bilhões de dólares, e tecnologicamente é completamente viável – não há absolutamente nenhum impedimento técnico para criar tal mercado, bem como estas enormes fazendas de órgãos. Então, há muitos desses cenários de ficção científica que nunca se materializam porque a sociedade pode agir para se proteger e regular as tecnologias perigosas. E isso é muito importante lembrar quando olhamos para o futuro ”.

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Saúde, paz, grato pela companhia e até a próxima

Ex-Libris, inteligência com propriedade.