Transcrição Ex Libris – S01e16

S01e16 Democracy

[Política] – Democracia em ruínas

Como finalmente o mundo está descobrindo as maravilhas do sistema latino-americano de governo pseudo-democrático

Olá, eu sou Sérgio Vieira e este é o 16º episódio da primeira temporada do Ex-Libris, um podcast rápido e ligeiro sobre Política, Comportamento Humano, Ciência, Tecnologia e Cultura. A cada episódio um tema. 

Seja bem vindo e espero que o Ex-Libris esteja atendendo suas expectativas. Diz aí.. eu estou acertando? Eu preciso saber o que você acha disso aqui. Vai lá no idigitais.com e deixe seu comentário, esculacho ou proposta indecente. Pode ser no post deste episódio, na sua transcrição no medium/@sergiovds ou ainda pelo email [email protected].

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Começa agora o Ex-Libris sobre Política de 04 de dez de 2018.

Em 2014 tivemos um estelionato eleitoral, o que confirmou meu artigo de 2010 e republicado em 2014 com um pequeno adendo. Esta reeleição da Dilma além de enrolar boa parte dos seus eleitores foi muito ruim, mas pareceu brincadeira de criança se comparada ao fato de, entre 2015 e 2017, o país ter sido governado por Eduardo Cunha e uma corja de larápios com mandatos legislativos.

Lembro do William Wack ficar possesso de indignação ao vivo com os 2 milhões de desempregados lá do governo Dilma e hoje com mais 13 milhões sem eira nem beira ele estar quietinho, se bem que o youtube não é uma Globo (ainda).

Lembro o mesmo Eduardo Cunha, em 2016, quebrando a democracia brasileira ao meio para entregar a Presidência a Michel Temer, que só não caiu porque entregou à cafetinagem o Tribunal Superior Eleitoral e o Congresso (em duas votações) em 2017.

Se você não entendeu esta minha última frase… leia, leia, leia! Sempre busque as entrelinhas, e de forma sublime, complemento: pombas, prestatenção!

Temer – o já definido vice-decorativo e alçado a presidente-decorativo, um marionete das confederações nacionais e das bancadas BBB – entregou às Forças Armadas (garantindo o foro privilegiado ao Moreira Franco) um enorme abacaxi “deem um jeito no Rio de Janeiro…”.

O risível desta palhaçada é que numa manobra para o acobertar, até a entrega do cargo, Temer esqueceu de combinar com a turma da Justiça, que desde que os militares assumiram o Rio só manda prender políticos.

O Moreira e Temer estão sem saída. De 2019 eles não passam. Com a prisão de todos os governadores do Rio desde 1998 (Anthony e Rosa Garotinho, Sérgio Cabral e Pezão) estão num pavor só. O Coiso não parece morrer de amores por Temer para garantir uma embaixada.

Os militares, na saia justa que o Temer os colocou, aproveitaram o “merdelê” geral do Congresso, do Executivo e do Judiciário e apoiaram – discretamente, dentro do jogo democrático – um movimento de generais de pijama e o “Fake News by WhatsApp” transformando um capitão medíocre em 2013 em um presidente em 2018.

Deu no que deu… ninguém sabe direito para onde o barco vai. Nem o próprio presidente eleito: boa parte de suas promessas de campanha já começam a ser esquecidas ou modificadas, mas no geral as ideias deste momento pré-posse passam por um processo de… retromicção.

Some-se à fragilidade do presidente eleito no que tange o conhecimento e as habilidades político-administrativas, os núcleos de poderes estabelecidos por sua estruturação de ministérios: temos o grupo do posto Ipiranga (ultraliberalistas), o grupo militar (radicais nacionalistas apoiados pelos “príncipes”), o grupo técnico (subdividido em “imexíveis” e “olavetes”) e com menor poder de fogo, o grupo político (extremamente fisiológico). Todos eles conflitantes e díspares nas expectativas e diretrizes.

É constrangedor o video do Onyx Lorenzoni negando participação do novo governo à desistência do Brasil em sediar a Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas, a COP 25, murmurando: “Nós não temos nada a ver com isso. Isso é uma decisão do Itamaraty”. E o presidente eleito o desdizendo no ato, afirmando:

“Houve participação minha nessa decisão. O (SIC) nosso futuro ministro… eu recomendei para que evitasse a realização desse evento aqui no Brasil. Até porque, e eu peço que vocês nos ajudem, está em jogo o triplo A nesse acordo [Acordo de Paris]. O que é triplo A? É uma grande faixa que pega dos Andes, à Amazônia e [o] Atlântico, de 136 milhões de hectares, ao longo das calhas do rio Solimões e Amazônia, que poderá fazer com que percamos a nossa soberania nessa área. Então eu quero deixar bem claro, como futuro presidente, que se isso for o contrapeso nós teremos uma posição que pode contrariar muita gente, mas que vai estar de acordo com o pensamento nacional. Então não quero anunciar uma possível ruptura dentro do Brasil [SIC]. Além dos custos, que seriam muito exagerados, tendo em vista o déficit que nós já temos no momento”.

Nessa declaração há um pequeno probleminha: pesquisando não encontrei nenhuma referência nem a Triplo A, Amazônia, Andes ou Atlântico, ou algo do tipo no Acordo de Paris (32 páginas em inglês ).

Após apresentar durante a COP-21, em Paris, seus próprios compromissos para enfrentar o aquecimento global, as chamadas Pretendidas Contribuições Nacionalmente Determinadas (INDC, na sigla em inglês), o Brasil aprovou no Congresso Nacional, em setembro de 2016, o processo de ratificação do Acordo de Paris. Desse modo, as metas brasileiras deixaram de ser “pretendidas” e se tornaram compromissos oficiais, agora como Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC).

A NDC do Brasil comprometeu-se a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005, em 2025, com uma contribuição indicativa subsequente de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% abaixo dos níveis de 2005, em 2030. Para isso, o país se comprometeu a aumentar a participação de bioenergia sustentável na sua matriz energética para aproximadamente 18% até 2030, restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas, bem como alcançar uma participação estimada de 45% de energias renováveis na composição da matriz energética em 2030”, explica o Ministério do Meio Ambiente em seu site.

O texto diz ainda que a NDC assumida pelo país “corresponde a uma redução estimada em 66% em termos de emissões de gases efeito de estufa por unidade do PIB (intensidade de emissões) em 2025 e em 75% em termos de intensidade de emissões em 2030, ambas em relação a 2005. O Brasil, portanto, reduzirá emissões de gases de efeito estufa no contexto de um aumento contínuo da população e do PIB, bem como da renda per capita, o que confere ambição a essas metas”.

Em nenhum documento do Acordo de Paris ou da retificação do Acordo, aprovado pelo Congresso Brasileiro, há qualquer menção ao Triplo A, o corredor ecológico que, de acordo com Bolsonaro, põe em risco a soberania do país. Ou seja, não seria o pior dos exageros dizer que a democracia brasileira está em crise. Quando temos um fascista convicto com o poder executivo nas mãos cercado de “outsiders” e aproveitadores devemos avaliar bem porque 39% dos eleitores votaram nele.

Não há dúvida do que aconteceu no Brasil foi mesmo coisa nossa.

A ausência de um plano de País, a completa falta de algo conhecido como cidadania, o paternalismo que grassa em ambos os lados do poder, a imensa e “cartelizada” e cartorial máquina estatal, as castas legais e amorais que segregam cidadãos em pessoas comuns, políticos, militares, juizes, nossos arcaicos problemas econômicos, os erros de política econômica de Dilma e de outros governos, os defeitos do sistema político vigente, a fragilidade do pensamento econômico de esquerda e das estruturas básicas de nossos poderes democráticos, o pouco apreço dos conservadores brasileiros pela estratégia de “ganhar no voto”, tudo isso sempre foi bem conhecido, e também foi importante para ajudar a cavar nosso buraco atual.

E acredite em mim ainda há terra para cavar.

Mas devo lembrar que, na verdade, se a democracia não vai muito bem aqui, também não vai indo nada bem aí pelo mundo. O cientista político Larry Diamond criou um termo bem interessante: “recessão democrática” para descrever como, mais ou menos desde 2006, o número de democracias vem desmoronando e a qualidade das democracias restantes também. É um processo lento, com reviravoltas, mas a tendência é para lá de preocupante.

Afinal, a democracia vinha em uma ascendente desde os anos 1990: ao fim das ditaduras do sul da Europa seguiu-se a democratização da América Latina, o fim das ditaduras comunistas do Leste Europeu, e alguns processos de democratização na Ásia e na África. Essa onda democrática, entretanto, parece ter chegado ao fim e, ao que aparenta, começou a refluir.

Quem ficou de fora do poder encontrou um meio de retomá-lo apelando para elementos bem diversos e bem enraizados dentro uma população que se sente tanto afastada das benesses da economia globalizada como do senso de pertencimento local.

Desde “Ocuppy Street” o mundo anda tomando partido de um lado ou do outro. Na Europa, Hungria e Polônia são governadas pela extrema direita que vêm eliminando barreiras legais ao exercício de seu poder.

A Venezuela e a Turquia tornaram-se ditaduras. Dos países que participaram da Primavera Árabe (Tunísia, Egito, Líbia, Síria, Argélia, Bahrein, Djibuti, Iraque, Jordânia, Omã, Iêmen, Kuwait, Líbano, Mauritânia, Marrocos, Arábia Saudita, Sudão e Saara), só a Tunísia tornou-se democrática.

Alguns países conseguiram algumas alterações, mas a maioria ficou como era. No caso da Líbia e da Síria a coisa piorou de vez. Nem a longevidade no poder do Congresso Nacional Africano, na África do Sul, nem as sucessivas reeleições de Evo Morales são sinais de vitalidade democrática. Durante a crise do euro, as reclamações sobre o “déficit democrático” da União Europeia foram recorrentes, e nos Estados Unidos o presidente é Donald Trump, o que nem precisa de maiores explicações.

Enquanto tudo isso acontecia, Dilma Rousseff foi eleita, reeleita e caiu, a classe política foi desmoralizada pela Lava Jato, e as instituições brasileiras perderam a reputação e robustez que haviam conquistado nos anos 90 e 2000.

O que uma coisa tem a ver com a outra? A crise brasileira é mais uma manifestação da recessão democrática? O exemplo brasileiro pode ajudar a entender o processo mais geral?

Boa parte do comentaristas e analistas políticos brasileiros têm ignorado o assunto como se o país não possuísse um protagonismo mundial. A velha síndrome do vira-lata, agora mais validada pelo presidente eleito em suas incontinências formais e no estilo “Orange One’s Copycat” (Sabe aquela ideia inicial de apenas 15 ministérios? Então, adivinha que país tem exatamente 15 “ministérios” ou melhor Departments: Agricultura, Comércio, Defesa, Educação, Energia, Saúde e Serviços Sociais, Segurança Nacional, Habitação e Desenvolvimento Urbano, Justiça, Trabalho, Estado, Interior, Tesouro, Transportes e Assuntos de Veteranos? Eu dou uma laranja para quem descobrir).

Sabemos que o que mais há são brechas para a manipulação das regras do jogo mesmo por dentro da legalidade (basta perguntar para o advogado mais próximo de você para ele explicar o que são as franjas da Lei).

Na condução política, que por lugar comum é “a arte do possível, da conciliação” se tais brechas fossem exploradas em todas as oportunidades, a história política teria sido muito mais turbulenta ou nem mesmo existiria.

A democracia de per si é – ou deveria ser – sustentada também por um conjunto de normas não escritas capazes de impedir que os possíveis pontos cegos da Constituição sejam explorados para desestabilizar o sistema. Ou seja, ética!

Mas voltando ao panorama geral das velhas democracias mundiais e às normas não-escritas, à ética: A principal é a que pode ser chamada de “autocontrole”, ou seja, a disposição de se abster de usar contra o adversário todos os recursos institucionais disponíveis, pelo bem do funcionamento do jogo político como um todo. Afinal os objetivos da Nação são maiores que os Planos de Governo, pelo menos no mundo desenvolvido.

Neste espectro democrático estável desde a 2a. Grande Guerra vários presidentes ou primeiros-ministros enfrentaram congressos ou parlamentos de maioria oposicionista, e sempre, nesses casos, a oposição conseguiu tornar a vida deles bem mais difícil.

Mas quase nunca a maioria optou pela “opção nuclear” do impeachment ou do voto de desconfiança, preferindo não correr o risco de instabilidade que impeachments ou trocas de gabinetes frequentes trariam para a democracia. Isto é, demonstraram autocontrole.

Bem… os italianos e as democracias sul-americanas são excelentes… ahh… exemplos de exceções históricas.

O problema desta década é que essas normas não-escritas têm perdido força. Algo como se a turma de comum acordo estivesse dando uma banana para a ética. Um exemplo recente e de dentro de um dos acórdãos democráticos mais estáveis do planeta:

Pouco antes da eleição de Trump os republicanos desrespeitaram, abertamente o imperativo de autocontrole: impediram que Obama nomeasse o substituto de um juiz conservador da Suprema Corte, que faleceu no último ano de mandato do presidente democrata. A maioria republicana preferiu esperar a posse de Trump para só então aprovar o substituto, um conservador nomeado pelo novo presidente. Essa atitude foi perfeita legal, mas… foi claramente uma violação das normas que orientavam as nomeações da Suprema Corte até então.

A democracia simplesmente não funciona se todas as possibilidades legais forem sempre utilizadas contra o adversário sem consideração pelas consequências, viu Magno Malta!

A segunda regra fundamental da ética na democracia é a tolerância mútua.

A propaganda contra o adversário pode ser agressiva (e sempre é), mas deve se abster de colocar em dúvida a legitimidade do oponente: você pode considerar seu adversário incompetente, burro, vagabundo, ladrão, mau-caráter, defensor de ideias que prejudicarão muito o país, mas não pode questionar seu direito de participar da disputa democrática como um postulante legítimo.

Em nosso presente caso é melhor eu deixar para lá qualquer análise de ética ou de racionalidade de nosso presidente eleito e parte de seu eleitorado.

As tentativas, ao longo dos governos petistas, de pintar o PT como uma conspiração antidemocrática a serviço do Foro de São Paulo foram violações da norma de tolerância.

O mesmo é verdade sobre a propaganda petista contra FHC nos anos 1990, até com pedidos de impeachment insustentáveis, e contra Marina Silva em 2014, retratando a proposta de autonomia do Banco Central como uma conspiração de banqueiros para roubar comida da mesa dos pobres.

A violação da norma de tolerância é recorrente no discurso populista. Populistas recortam o eleitorado entre “o povo de verdade”, “o povo que importa” e os outros, os estrangeiros ou “penetras” do jogo democrático.

Assim, a eleição do Coiso pode ser encarada como o coroamento de um processo de profunda deterioração das jovens e frágeis normas democráticas brasileiras. Nesta ótica, o Coiso, é um sintoma dessa crise, nunca seu criador.

Mas vamos lá para o primeiro mundo…

Desde o fim da segregação racial a política norte-americana se tornou cada vez mais polarizada. O Partido Republicano passou a ser visto e a atuar como o partido da maioria branca. A desigualdade econômica aumentou, e amplos setores da sociedade americana se sentem “deixados para trás” pela globalização.

A política americana tornou-se menos tolerante; os conflitos, crescentemente acirrados; e a disposição para jogar pesado contra o adversário é cada vez maior.

A democracia apesar de bagunçada pelo Trump ainda não foi desmontada. Orange One manifestou durante toda a sua campanha todos os sinais de um líder autoritário bem no padrão… ah, latino-americano. Mas as instituições lá, até agora, foram capazes de controlar o ímpeto meio bufão meio descontrolado do Donald.

Os seus apoiadores usando a mesma tática da campanha disseminam agora teorias da conspiração sobre um “Estado Profundo”, uma conspiração de “insiders” que estariam propositalmente impedindo-o de cumprir suas promessas anteriores.

Na verdade, quem está contendo o Trump são as instituições tradicionais criadas para prevenir a Nação contra presidentes como ele… ok, com uma ajudinha dos grupos altGOV.

Mas seria um equívoco assumir uma atitude complacente de que “as instituições estão funcionando”. Afinal, uma crise nacional grave – uma guerra, um grande atentado terrorista – pode alavancar Trump e permitir a consolidação de sua agenda autoritária (espero que o Coiso não esteja ouvindo isto aqui).

Se este último cenário (não o Coiso ouvir, o Orange One implementar sua agenda autoritária) os EUA perderá seu protagonismo atual de império democrático e de polícia do mundo.

Hum… pensando bem… não! As opções atuais não são muito melhores que o status quo.

Prosseguindo: A democracia pode, em algum momento, acabar? Lembra-se de Churchill? Para ele:

“Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”.

Ela é um fenômeno histórico relativamente recente. Nada pode garantir que a democracia vá durar mais ou menos do que a outras formas de governo.

Talvez haja paralelos entre a atual crise democrática e a última década do século XIX, esta marcada por movimentos populistas, teorias da conspiração, mudanças tecnológicas, desigualdade crescente, e a falta de uma guerra (que ofereceria um trauma coletivo semelhante àquele que o populismo sempre encena).

A crise política da democracia nos 1890 deu origem a uma fantástica era de reformas, em que se consolidaram as 2 bases de sustentação da democracia moderna, garantidas ainda no século 20:

  • A garantia de prosperidade futura (conseguida por meio da combinação entre capitalismo e estado de bem-estar social), e
  • O reconhecimento da dignidade individual (pelo respeito aos direitos individuais e o direito ao voto).

A crise de hoje, lamento, dificilmente será resolvida como a do século XIX.

Não há como expandir o estado de bem-estar social assim, de uma hora para outra, quando já enfrentamos certas limitações de alimentos, água em ambiente propício à existência de cerca de 7,5 bilhões de pessoas (e para piorar em rumo firme aos 10 bilhões). Nos países desenvolvidos, o direito ao voto já é universal.

Se esses limites já não fossem suficientes, há uma outra característica, bem particular, específica dos dias atuais, os problemas presentes e de futuro imediato da sociedade moderna talvez estejam se tornando ou grandes demais ou pequenos demais para serem resolvidos por uma governança democrática representativa e de abrangência geográfica desconectada das realidades locais.

Por um lado há uma série de ameaças existenciais pairando sobre a espécie: o risco de guerras generalizadas com uso de poderio nuclear ou biológico, violência urbana descontrolada, o risco de catástrofe ambiental, escassez de água e alimentação básica, e, talvez, em um futuro não tão distante, o risco de subjugação total pela tecnologia.

O homem comum sente-se pequeno e impotente frente aos limites do seu horizonte existencial e de sobrevivência. O político medíocre sente-se capaz de suprir todos as soluções para a sobrevivência das demais pessoas (e de seu poder, claro) por meio de recursos básicos ou de efeito. Ambos não conseguem perceber a enorme distância entre o tudo e a alma.

Estamos, nós brasileirinhos, quase na terceira década do século 21 e nosso ensino ainda patina nas carteiras quebradas e quadros de giz de aulinhas de alfabetização precária equivalentes àquelas dos anos 1950.

O humano perde a sensação de pertencimento social e econômico frente a um mundo que exige o uso de aplicativo no smartphone de quem não consegue interpretar um texto primário.

Na França atual – que, todos sabemos, é uma República parida e mantida por uma inata violência popular – a política vai para as ruas de uma maneira muito mais rápida que aqui ou em qualquer outra democracia ocidental.

Nas últimas 2 décadas há houve “quebra-quebra”, ou como eles chamam, protestos de jovens dos subúrbios multirraciais, fazendeiros (quase todo ano) operários, professores, advogados e até policiais. Agora explodiu com os protestos pela taxa ambiental que aumentava os combustíveis… mesmo com Macron voltando atrás com a não cobrança da taxa e outros agrados a zona continua, pois muitas outras demandas foram adicionadas.

O governo demorou pra responder e o movimento expandiu. O nível de destruição que tomou as ruas de Paris é assustador até para quem já conhece essa mania francesa de incendiar carros. Desta vez foi uma violência aleatória, de pura raiva, dirigida não só contra a polícia mas também contra qualquer símbolo da República, como o Arco do Triunfo.

E sabe por que o movimento pacifico do início de novembro se voltou contra todo o sistema político francês com tal nível de ódio? Simples!

Mesmo sendo principalmente franceses natos, brancos – que em momento algum demonstraram sinais de racismo ou nacionalismo – os radicais dos “gilets jaunes” se voltaram de forma niilista contra as instituições democráticas e símbolos da riqueza, devido principalmente a uma angústia econômica e social que há anos vem tomando conta da França.

Até agora não está clara uma metodologia ou uma estrutura de contenção democrática que possa lidar adequadamente com esses problemas de grande escala.

Os governos democráticos deixaram o problema do aquecimento global chegar a um ponto em que talvez não seja mais possível evitar a catástrofe. Poderíamos ter assumido uma forma de vida mais sustentável, ter buscado representantes e ter votado por limites de consumo e alterações no modo de produção, mas… até agora não fizemos muito esforço para isso.

Da mesma forma, devemos mesmo dar a Donald Trump ou algum outro governante qualquer o poder de destruir o mundo apertando um botão? Ou sufocar o nosso ambiente lentamente com resíduos altamente tóxicos à nossa vida? Mas, se não o fizermos, quem deve ter esse poder? Os generais provavelmente são mais confiáveis do que governantes, mas o quão confiáveis eles são?

Ainda há um risco real e imediato de que a tecnologia comprometa cada vez mais a democracia. O caso mais evidente é a possibilidade de aprimoramento genético, e claro, quem parte primeiro nesta escalada são os que podem pagar.

Se os filhos dos ricos forem modificados para serem imunes, atléticos, superinteligentes ou supertalentosos, será que a igualdade jurídica propugnada nas leis ainda vai significar a mesma coisa?

Já é difícil haver igualdade mesmo com leis vigentes… Imagine em um mundo com superinteligentes e supertalentosos a simplicidade de exigir que candidatos ao governo possuam três pós-doutorados.

A tecnologia é fascinante e possibilita milhões de opções: desde uma onde a automação total permita que vivamos tal qual a animação Wall-E, nos divertindo e… engordando. Até a opção onde tenhamos – sob uma ditadura de pessoas 2.0 geneticamente aprimoradas – uma vida social virtualizada e destruída pela fragmentação da identidade pessoal e de grupo que ela traz.

Não temos embasamento nem instrumentos analíticos para prever sequer que problemas teremos. Essas ameaças grandes demais para nosso modelo democrático atual transferem poder aos tecnocratas e outros tipos de especialistas, que, cada vez mais, também controlaram áreas importantes da vida social, como a gestão macroeconômica.

Isto é, a participação na gestão dos benefícios de longo prazo do desenvolvimento é cada vez menos decidida pela participação da cidadão, ou seja, democraticamente.

É um pensamento simplista supor que basta apenas modelar democraticamente uma gestão tecnocrática: esta metodologia pode até obter bons resultados quando o problema trata-se apenas de insensibilidade social ou inércia dos especialistas, mas fica a dúvida: e se a gestão do problema exige o mínimo de turbulência possível?

Por outro lado, o fator “dignidade pessoal” da democracia — ou seja, o respeito aos direitos individuais e à livre expressão — é cada vez mais privatizado, e cada vez mais deriva para o anarquismo das redes sociais. Não devemos esquecer que se esse espírito ultrademocrático das redes sociais tem um lado evidentemente bom, mas também traz uns riscos danados.

Alexis de Tocqueville via nos linchamentos que os americanos praticavam na primeira metade do século 19 uma deformação do espírito democrático: a maioria se sente autorizada a descontar suas frustrações nas minorias vulneráveis.

Qualquer semelhança com declarações de um capitão da reserva não é mera coincidência.

Na atual democracia esses impulsos são mais ou menos, ou deveriam ser domesticados pelas instituições, pela presunção da inocência, pelos direitos das minorias. Mas ainda não há nada disso na democracia das redes sociais. Nós não agredimos e participamos de linchamentos mais; a não ser no Ttwitter, no WhatsApp e no Facebook, né?!

Essa individualidade mascarada pela falsa sensação de poder que o distanciamento social e o anarquismo das redes permitem também desfavorece qualquer ação política dentro dos ditames democráticos.

No Facebook, no WhatsApp ou no Twitter, as pessoas se acostumaram a ter gratificações imediatas, na forma de likes, compartilhamentos, retuítes, coraçõezinhos, comentários. A democracia representativa funciona de outra forma: não gratifica imediatamente, e, não foi desenvolvida para isso.

O ritmo comparativamente bem mais lento dos compromissos político-partidários, dos procedimentos parlamentares, das negociações e acordos, serve de catalizador à esse viés de gratificação imediata que nos tornam tão míopes.

Os partidos políticos, em especial, deveriam administrar com muito mais cuidado o compromisso temporal desse processo de avanços e tréguas. Mais aí já é pedir demais, né?!

Ao contrário, é tendência recente a substituição do partido – incapaz de gerar gratificações imediatas – pelo chamado “movimento”.

O Podemos da Espanha começou como movimento, o En Marche! de Emmanuel Macron foi criado em torno de seu líder, e o trabalhismo de Jeremy Corbyn representou a tomada do Partido Trabalhista por um movimento.

Aqui como exemplo e na versão pt.br temos o PSL nestas eleições presidenciais – que do nada virou um partidão – e o MBL, que já está se estruturando legalmente para atuar como um partido.

Esses movimentos são estruturalmente iguais ao Facebook: combinam máxima horizontalidade – as redes, a espontaneidade, etc – com lideranças fortemente verticais.

O Facebook é uma rede horizontal, sem dúvida, mas é também, no fim das contas, o brinquedinho do Mark Zuckerberg. É ele quem decide as regras do jogo e as modifica como e quando quer. O mesmo vale para Macron no En Marche! ou o Bolsonaro no PSL.

Será que a política pode resgatar a democracia?

Creio que para isto se realizar é preciso que qualquer tentativa de manipulação tecnológica das ferramentas democráticas e o poder do mercado sejam enfrentadas por políticos com coragem de desafiar fortíssimos interesses econômicos.

Ou como dizia minha avó: Du-vi-de-o-dó.

Os políticos na atualidade e em sua imensa maioria são fantoches do mercado e usam e abusam da malversação tecnológica, e mais! O próprio mercado global é uma máquina que saiu do controle.

O que sabemos por experiências anteriores é que só o exercício do poder político pode limitar o poder do mercado ou da técnica. Mas a que custo da democracia tradicional?

O ser humano é criativo, e diante deste gigantesco desafio é possível que a humanidade supere este hiato sócio-político que o viés tecnológico nos impõe. Caso contrário é bom a gente usufruir a vida… enquanto houver diversão e arte.

O Ex-Libris, um podcast rápido e ligeiro – às vezes – sobre Política, acabou. Se você gostou desse projeto faça como a AMB3 Gestão Ambiental, ajude esse podcaster. Ainda estou tentando descobrir qual a maneira de você me ajudar – aceito sugestões. 

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Saúde, paz, grato pela companhia e até a próxima.

Ex-Libris, inteligência com propriedade.

Transcrição Ex Libris – S01e12

[Comportamento Humano] – Porque sua vida social está uma porcaria.

Como as mídias sociais não parecem ser o melhor ambiente para você ampliar seu conhecimento e suas virtudes, tais como empatia e sociabilidade.

Olá, eu sou Sérgio Vieira e este é o 12º episódio da primeira temporada do Ex-Libris, um podcast rápido e ligeiro sobre Política, Comportamento Humano, Ciência, Tecnologia e Cultura. A cada episódio um tema. Seja bem vindo e espero que o Ex-Libris esteja atendendo suas expectativas. Para eu saber se estou acertando eu preciso ouví-los também. Assim, aguardo sugestões, dê um pulo lá no idigitais.com e deixe seu comentário no post deste episódio, na sua transcrição ou ainda envie um email para idigitais@gmail.com.

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Porque sua vida social está uma porcaria ou Como as mídias sociais não parecem ser o melhor ambiente para você ampliar seu conhecimento e suas virtudes, tais como empatia e sociabilidade.

O sucesso das ações de marketing político nas mídias sociais lá na 1ª eleição do Obama já sinalizava para muita gente que este tipo de atividade (marketing político massivo por intermédio de redes sociais) serviria também para outras coisas bem menos honestas. A eleição do Trump mostrou o caminho e a do Bolsonaro demonstrou a efetividade da neo-verdade.

Aquele papo de verdade adequada ao senso de necessidade humana que uma turminha aí chama de pós-verdade foi destruído pela redescoberta de que pessoas sem senso crítico engolem qualquer informação distribuída por redes sociais, e pior, sentem-se compelidas a redistribuir àqueles que acompanham seu perfil.

Como não há fatos e sim versões – principalmente as suas próprias versões, adequadas às suas crenças – tais difusores atuam como amplificadores vorazes daquilo que concordam, da sua verdade. Se o gerador de tais versões é estruturado e múltiplo, ainda maior o poder de inundar milhares de bolhas de influência. Mas, para tal método funcionar com maior efetividade deve-se ter uma polarização muito bem definida, assim a versão difundida contrapõe com a verdade (ou não), validando o pertencimento ao grupo correto, validando o ego: Nós sabemos o que é real, o que é bom, o que é adequado e o que não destrói a crença pessoal, seja ela em Noam Chomsky ou Papai Noel.

Muitos, como eu, sentem-se profundamente incomodados pela avalanche de bobagens que transbordam pelos canais de mídias sociais.  Os mais habilitados nas funções de restrição que as redes sociais fornecem, filtram os temas e os usuários eliminando boa parte da astronômica quantidade de lixo e chorume pseudo informativo que circula pela internet.

[Parênteses]  – Cansei de afirmar ao longo de pelo menos uma década e meia, que internet não é um meio, não é um canal de comunicação, a internet é uma linguagem nova, mundializada e ainda eivada de preceitos e pré-conceitos culturais, ainda repleta de pesos e contrapesos que não permitiram uma consolidação apropriada. Alguns poucos arranham o que chamo linguística da internet. Basicamente é o que estou fazendo aqui hoje. [fechando o parênteses e retornando o fio-da-meada]

Mesmo habilitado a filtrar o que se recebe é necessário ao usuário compreender todas as regras que estes serviços e aplicativos exigem. Além do estudo e controle de como eles se comportam, é imprescindível a habilidade em conceitos complexos de regras boleanas e/ou digitais próprias da Internet, travestidas de frases dúbias e complexas (seja em inglês ou português) para um usuário comum, como, por exemplo: 

Como começar – Você pode iniciar o rastreamento de conversões em duas etapas: 

  1. Crie uma website tag. 
  2. Instale a website tag em seu website.

Para que serve uma rede social que num extremo te enche de informação completamente inútil, seja por baixo valor agregado (tipo “bom dia família” e a inefável foto de bebês vestidos de anjinhos ou da Virgem Maria que circulou em 2005), seja por valor moral ou culturalmente equivocado (nem vou dar exemplos aqui) e no outro extremo por notícias falsas que podem levar pessoas à morte? (aqui eu dou exemplo sim: os malucos anti-vacinas ou veganos que inventam dietas inadequadas para crianças).

Para que serve uma rede social em que qualquer informação – ponderada, calcada em fatos amplamente comprovados por dezenas de fontes fidedignas e/ou métodos científicos – é refutada em nome de Jesus, Pastor Jessé, Zaratustra, por um familiar distante ou um conhecido do conhecido, ou pior ainda, uma rede que inunda sua página pessoal no Facebook com  várias centenas de pessoas desconhecidas que apenas refutam (com falácias ou lógica) o comentário do refutador anterior? 

Boa parte das pessoas creem que o lapso temporal – do ato de refutar em texto algo que interpretou de uma leitura  anterior – as desvencilham do diálogo, do esclarecimento e da empatia social. Isso quando interpretam o texto e avaliam o contexto. Na maioria das vezes as pessoas se atém a uma frase específica, cuja contrariedade ao seu herói, à sua crença ou ao seu desejo, sua paixão, é o único fator existente. Aí não há lógica que suporte o social da mídia.Esses serviços e aplicativos deveriam se chamar Extreme Fight Channel e não Social Media.

Apesar das críticas que muitos fazem às redes sociais (sejam pessoas comuns como eu, ou pensadores, ou você, ou governos), poucos usuários tomam a decisão de apagar as suas contas. Eu já cometi “facebookcídio” uma vez… fui iludido a retomá-lo, e agora estou preso por uma decisão comercial muito equivocada.

O Twitter continua com seus cerca de 300 milhões de perfis, o Facebook tem mais de 2,2 bilhões de pessoas  (PQP quase 1/3 dos seres humanos têm um perfil no serviço), e o Instagram segue crescendo e já passa dos 500 milhões contas. Aqui eu gostaria de notabilizar (no sentido neutro da palavra) a saúde e a capacidade de crescimento da máquina de manipulação de Mark Zuckerberg. Falando em máquinas de manipulação, nenhuma religião, língua ou cultura são tão difundidas globalmente como o Facebook. A única outra ferramenta da Internet que sobrepuja em números esse site criado para ser um Tinder de  universitários é o e-mail, com mais de 5 bilhões de contas. Mas o que me chama atenção da avaliação atual de seus números e projeções sócio-tecnológicas é que o Facebook pode crescer ainda mais. Há países que ele já dominou… Seus dados por continentes e por faixas etárias já eram disponíveis, mas pela primeira vez um estudo dá os números detalhados de usuários por país, de suas idades específicas e gênero e do uso diário ou mensal. Além de impressionar os números dão a dimensão de um futuro um tanto caótico, eu diria distópico.

Exceto em casos como China, Coreia do Norte, Irã e Síria, onde sua presença, de qualquer modo, é proibida, e de alguns bilhões de centro-asiáticos e africanos, a base do império do Mark abrange mais de 200 países (já, já a FIFA perde a hegemonia com seus 212 países. Na sua base de atuação principal, ou seja nos países desenvolvidos, o “Feice” – como a gente chama por aqui – não fraqueja, nem demonstra sinal de queda no uso. Estabilidade é a definição atual. Na visão de alguns analistas “Além de ativo e estável, o Facebook possui capacidade de crescimento e está na renovação contínua de suas funções básicas”. No Brasil e América Latina, há um ano, o Facebook busca a renovação e reestruturação de toda sua base comercial e de evangelização empresarial – deixo os comentários sobre estas informações para o Cris Dias.

O método de ganhar dinheiro do Mark é simples (em tese) e de uma implementação complexa e cara “p’ra burro”. A maquininha digital oferece aos seus anunciantes um aplicativo com centenas de opções fornecidas por seus usuários, ou seja dados pessoais, geográficos e de gostos afins, dados estratificados e massivos, bem definidos possibilitando a venda de e para um público bem mais definido também. O aplicativo permite uma infinidade de análises, como p. ex., avaliar comportamentos pelo seu “lugar de residência”, mas também pelo “lugar atual” ou quando você está “em viagem”. Percebeu a audácia do sistema? 

Na maioria do continente africano e da Ásia Central, a presença do Facebook é abaixo de 30% entre os maiores de 13 anos, a idade mínima legal para criar uma conta na rede em alguns países. Lembro quando aqui era 18 anos. Atualmente para ter conta no Instagram é preciso ter 16… Para continuar crescendo, o Facebook precisa de mais usuários potenciais, adivinha aonde? Claro, na África e na Ásia Central. Nos países desenvolvidos o crescimento é orgânico, tudo funciona desde a infraestrutura até superestrutura. Para crescer o Mark precisa que a Internet chegue até os usuários, assim, a companhia investe em infraestrutura de Internet na África e nos outros paísesda Ásia Central.

Desde 2015, a ferramenta principal de interseção infra e superestrutura da corporação é o Free Basics, um aplicativo desenvolvido pelo Facebook que dá acesso, sem precisar pagar dados no celular, a uma seleção de sites sem fotos nem vídeos em dezenas de países. O Facebook tem um acordo com a Internet Society para levar pontos de troca de tráfego (IXPs, na sigla em inglês) aos países africanos cuja Internet ainda depende de infraestrutura além das suas fronteiras, o que obviamente não permite uma conexão de dados decente. Nos países subdesenvolvidos, ele cresce mais em zonas urbanas, com muita gente empregada. Esse é seu viveiro de potenciais usuários.

Na Noruega apenas 12% da população não tem conta no Facebook, 2% o acessa sem constância e os demais 76% diariamente. 

Se o jovem Soren Johannsson conquistar 2 milhões de assinantes para seu canal no Facebook ele faz a fortuna na Noruega, pois ele conseguirá atingirá 50% dos usuários. 

Nota: Youtubers brazucas, tá na hora de fazer greve e exigir uma graninha melhor aí… ou então estudar norueguês. O Google tá se refastelando nesse ecosistema dele.

Suécia e Dinamarca têm cifras parecidas. No sul da Europa, Itália e Portugal são os países mais ativos: só 30% dos cidadãos maiores de 13 anos não têm conta, mas 70% dos que têm, acessam o “Feice” diariamente. A Espanha está ligeiramente abaixo, com 65% de usuários ativos e algo como 30% de maiores de 13 anos sem conta. Nos Estados Unidos, cujos usuários são os que mais ganhos dão por publicidade ao Facebook, 11,3% dos maiores de 13 anos não acessam esse serviço. Porém 66% acessam diariamente. No Brasil, 18,8% dos maiores de 13 anos não têm perfil. Não consegui os números sobre acesso dos brasileiros no caso diário. E não vou procurar agora…

O Facebook, assim como Apple, Google, Microsoft possui uma política de não revelar cifras de usuários por país, mas sim coisas como faturamento médio por usuário seja de produto, serviço ou região geográfica. No caso da empresinha do Zuckerberg ela informa o  faturamento médio por usuário procedente de anúncios em cada continente. No segundo trimestre de 2018, ela faturou coisa de 8,62 euros (36,30 reais) por usuário na Europa. Com a cifra de usuários por país, pode-se fazer um cálculo simples. Por exemplo, se na Espanha 65% da população com mais de 13 anos tem conta, isso representa 25 milhões de pessoas. O resultado é que o Facebook fatura em publicidade mais de 200 milhões de euros (cerca de 842 milhões de reais) na Espanha. Em 2017, entretanto, o Facebook  declarou prejuízos de quase um milhão de euros na sua filial espanhola.

Crianças… eu já ensinei – anos atrás no Impressões Digitais – que uma coisa é faturamento, outra coisa é contabilidade.

Dados de um estudo na Espanha e publicados em 2018 demonstram que o número de novos registros dispara aos 18 anos, o que pode ter que ver com a maioridade: “O salto aos 18 anos não é casual. São adolescentes cujos pais não permitiram ter Facebook até que completassem a maioridade”, diz David García, pesquisador do Complexity Science Hub de Viena.

O mapeamento demonstra que após 18 anos há um arrefecimento e nova explosão em torno dos 25 anos (quase 50% de aumento relativo aos nº de usuários aos 18) facilmente explicável pelo término da faculdade e busca de inserção social e profissional. Novamente há uma diminuição do nº de usuários até os 30 anos (que retoma o nº de usuários relativos aos 17 anos) e um aumento, discreto, aos 31 para 70% do pico atingido aos 25 anos. Ao que tudo indica, aos 31 anos e ao fim das extensões universitárias e medianas profissionais no setor de marketing a quantidade de usuários entra em declínio formal de desinteresse. [Fonte: ‘A large-scale analysis of Facebook’s user-base…’, de Yonas M. Kassa, R. Grutas e Á. Grutas.]

O monopólio atual, nem se mexeu pelas crises da Cambridge Analytica, das fake news ou da violência em países como Myanmar, Sri Lanka e Filipinas. Em Myanmar, onde o Facebook admitiu sua responsabilidade na difusão de mensagens de ódio contra a minoria rohingya que está sofrendo um processo de genocídio – pô cara, há tempos os rohingyas fogem de Myanmar para Bangladesh, você sabe o que é Bangladesh? Imagina a situação em que você está em um lugar tão Bolsonaro, mas tão Bolsonaro que cair nos braços do PT da Dilma é a melhor coisa do mundo. Em Myanmar as palavras “Facebook” e “Internet” são sinônimos. Ninguém entra na Internet, eles entram no Facebook. Por essas e outras é que eu acho que Myanmar parece com algo que a gente conhece.

[parentêses] – Por sinal, tem um enrosco bem grandão nessa coisa de divulgação e substituição de conceitos, e que acabou virando um nicho de mercado. As agências fact-check nasceram pela incompetência das mídias sociais manterem  controles mínimos sobre o que é divulgado em massa sobre assuntos socialmente e politicamente sensíveis. O incontrolável Feice forneceu meios de divulgação massivos de informações e várias empresas que aglomeraram jornalistas e analistas de big-data ganham uma graninha para – cheias de razão – questionar o trend do momento e assim sobreviver. Você sabe… jornal, seja na TV ou  no papel, ou entra no ar daqui algumas horas apenas ou só sai amanhã. [fechando os parênteses]

Mais uns dados sobre Myanmar – o Brasil de amanhã. O país viveu sob uma junta militar até 2011… a gente corre risco de ficar até 2026. Hoje, mais de metade da sua população tem conta no Facebook, e desse contingente, 44% o usam diariamente. O crescimento é extraordinário.

Apesar da solidez dessa tendência, nada na Internet é para sempre. O Facebook reina hoje, mas já vimos como muitas redes sociais antes foram p’ro brejo: Friendster, Jaikku, MySpace, Orkut, o Google Plus – você conhece? Pois então há anos ele tenta ser o concorrente do Facebook e o Google acabou de matá-lo. Já já ele para de.. ahn… é… hum… funcionar. Umas redes sociais substituíram outras, a que ainda resiste é o Facebook. As críticas por suposto monopólio, multas bilionárias pelo hackeamento de dados, os temores com a falta de privacidade e o cansaço dos usuários são as ameaças cotidianas para o Facebook. Por enquanto, no entanto, nada o afeta. Por enquanto…

Como disse no início eu já cometi “facebookcídio” uma vez, minhas justificativas de volta e permanência no “feice” são fracas, você pode descrevê-las como hipócritas mesmo. Eu sai, esgoelei, esbravejei e denunciei o Facebook, mas sucumbi e refiz uma conta apesar de minha ampla consciência do perigo. Ocasionalmente me entrego ao voyeurismo do News Feed, sucumbo à rolagem de zumbis e chorume de imensos e avassaladores textos inócuos e me pego – inutilmente fazendo mais um textão – só para sofrer vendo inúmeras respostas estúpidas, agressivas e odiosas de quem nem parou para sopesar que aquela é minha área de expressão e o intuito é a abertura para um argumento compreensivo ou um contra argumento que demonstre um ângulo não abrangido, obliterado por minha limitação humana. Sou um boçal. Renitente.

Mas como eu poderia descrever a perniciosidade da plataforma se eu nunca a usasse? É muito mais fácil eu atacar um ente – apesar de incorpóreo, corporativo – do que envergonhar minha tia ou colegas do escritório – ou abandonar sua própria longa lista de “amigos”.

Amavelmente eu indico alguns argumentos para você repensar sua vida em mídias sociais:

Você está perdendo sua liberdade.

Os serviços e aplicativos sociais registram todas as nossas ações: o que compartilhamos, o que comentamos, o que curtimos, o que compramos, onde vamos, o que vivemos. Somos cobaias de laboratório, monitoradas a cada segundo, participamos de uma análise constante para que os anunciantes e agentes políticos nos enviem suas mensagens quando estivermos mais suscetíveis a elas.

A turma que ganha dinheiro de verdade com mídias sociais distribui notícias falsas em um sistema desenhado para ajudar marketeiros alcançarem seu público-alvo com mensagens bem testadas para conseguir sua atenção. Taí o Bolsonaro que não me deixa mentir. Para os sistemas de mídias sociais tanto faz, como tanto fez se os “anunciantes” são empresas que querem vender produtos, partidos políticos ou difusores de notícias falsas. O sistema é o mesmo para todos, e melhora quando as pessoas estão irritadas, obcecadas e divididas.

Com certeza as mídias sociais estão lhe deixando infeliz. É intuitivo, todos nós percebemos isso… apesar das possibilidades de conexão que as redes sociais oferecem, na verdade sofremos uma sensação cada vez maior de isolamento por motivos tão tortos como os padrões irracionais de beleza e status, por exemplo, ou a vulnerabilidade aos trolls, ou mais efetivo ainda, a quantidade de gente que NÃO nos segue. Os algoritmos destes sistemas nos colocam em categorias e nos ordenam e coordenam segundo nossos amigos, seguidores, o número de curtidas ou retuítes, ou o muito ou o pouco que publicamos… Ou seja, você sempre é lembrado que está sendo avaliado, medido, classificado e pior… a tabela de classificação está sempre meio oculta em sua descrição clara – 25 retuítes, 85 amigos curtiram… o que quer dizer issoi? Quer dizer que você só tem 25 pessoas de sua rede que acharam bacana sua ideia a ponto de transmití-la e 85 acharam “apenas bacana”… e isso, é bom ou é ruim? Esquece, seu cérebro sempre, eu disse sempre, irá processar esta situação seletiva como “puta merda eu sou um bosta”, pode perguntar p’ro André Souza.

De repente você e outras pessoas fazem parte de um monte de competições das quais não pediram para participar. Isso é estressante… São critérios que nos parecem pouco significativos, mas que acabam tendo efeitos na vida real. Nas notícias selecionadas que vemos, nas amizades e relacionamentos sugeridos, nos produtos ofertados e até na cumbuca patrocinada pelo B9 do Merigo . Também podem acabar influenciando sua vida profissional, os RHs de todo tipo de empresa (das pequenas até as gigantes multinacionais) vasculham suas redes sociais   para sim, avaliar, qual o  seu estilo de vida e qual o risco que você pode trazer aos seus negócios. E para piorar, eu sei você vai negar, mas mesmo sob essa aparente calma budista é certo que há um troll dentro de você. 

No contexto das redes sociais, as opiniões se polarizam, somos provocados constantemente por este ambiente e frequentemente as discussões descambam das oportunidades para um diálogo, para uma disputa com objetivo de ganharmos alguns pontos às custas de expor os outros, numa espécie de antidialética da lacração. É inevitável, não somos tão amáveis como gostaríamos de ser 100% do tempo.

A verdade virou mito na maioria das postagens. 

As teorias da conspiração mais loucas, idiotas e perigosas  (como por  exemplo as dos antivax) frequentemente começam nas redes sociais, onde seu eco se amplifica, frequentemente com a ajuda de bots, bem antes de aparecerem em veículos de comunicação extremamente partidários. O terraplanismo, por exemplo, nasceu a partir de grupos de Facebook , amplificados por um algoritmo que dava repercussão a essas publicações e compartilhavam mais por seu conteúdo disparatado do que pelo seu verdadeiro alcance.

Nosso brasileiríssimo exemplo eleitoral agora de outubro de 2018 representa perfeitamente a manipulação da informação com objetivo político e de um perigoso efeito secundário: o esgarçamento social. O que nos leva a mais um motivo para nos afastar do Twitter, Facebook, inclusive o WhatsApp e os serviços do Google.  

Tais sistemas estão acabando com a sua capacidade de empatia criando uma retro-alimentação da certeza equivocada. 

Essa afirmação argumentativa apoia-se principalmente no conceito criado em 2011 por Eli Pariser: o filtro bolha. No Facebook, por exemplo, as notícias aparecem na tela de acordo com as pessoas e os veículos de comunicação que seguimos e, também, dependendo dos conteúdos de que gostamos. No Twitter, no Whatsapp o efeito é ainda pior… você segue quem lhe parece fiável, semelhante, e é seguido pelo mesmo motivo, e os algoritmos lhe apresenta outros que bordejam o seu espectro de relacionamento digital. A consequência é que nas redes frequentemente acessamos somente a nossa própria “bolha”, ou seja, tudo aquilo que conhecemos, com o que estamos de acordo, o que nos faz sentir confortáveis, o que nos acarinha… Não vemos outras ideias, outras informações, contrapontos… recebemos apenas suas caricaturas, suas versões. E, consequentemente, em vez de tentar entender as razões por trás de outros pontos de vista, nossas ideias se reforçam e o diálogo torna-se cada vez mais difícil até deixar de existir. Né, troll?

Há certos momentos que me sinto convencido de que a mídia social é tóxica, tornando-nos mais tristes, mais raivosos e mais isolados. Se você estiver ativo nas mídias sociais irá reconhecer rapidamente o conceito de “reforço aleatório:, explicando: o vício alimentado não por recompensa, mas por nunca saber se ou quando a recompensa chegará.

Qual a recompensa esperada por você, usuário comum, quando publica textos inócuos, reflexivos, discutíveis, exuberantes, profundos, estapafúrdios, ou completamente idiotas? Likes? Aprovação do seu público bolha? Seguidores? Replicação de suas ideias? 

Atuar, na maioria das vezes nas redes sociais é na realidade uma egotrip bem mequetrefe. Exceção aos profissionais que a usam – por intermédio de personas ou personagens – para divulgar ideias, marcas, ideologias, ou seja, fazer marketing puro e cristalino.

Os algoritmos destas redes sociais estão estruturados para  tentar capturar os parâmetros perfeitos para melhorar o modo de manipular as suas reações, as reações de seu cérebro.  Ao mesmo tempo que o cérebro, na busca de um significado mais profundo, não muito definido, retro-alimenta o sistema fornecendo indicativos para nada real, mas para uma ficção egocêntrica. Esse processo – de desencadear emoções e de ficar preso a uma miragem indefinível – é o vício.

Deixar as redes sociais, ainda que somente por algum tempo, pode ser uma excelente forma de saber como estas estão nos prejudicando e, principalmente, de percebermos o que elas poderiam nos oferecer de verdade. O tempo e a atitude contemplativa, de se observar destituído destes laços emocionais ajudam a notar o que nos faz falta. Qual a motivação de interagir por meio das redes?

A mídia social tal como está engendrada economicamente faz à política um trabalho desastroso, possibilitando ações tendenciosas, não para a esquerda ou para a direita, mas para baixo, como já disse, rompendo o tecido social e a crença em informações factuais.  

  • Se desencadear emoções é o prêmio mais alto destes sistemas, e as emoções negativas são as mais fáceis de desencadear, como as mídias sociais podem não deixar você triste? 
  • Se o seu consumo de conteúdo é adaptado por observações quase ilimitadas colhidas sobre pessoas como você, como poderia o seu universo não colapsar na representação parcial da realidade que pessoas como você também gostam? 
  • Como poderia a empatia e o respeito pela diferença prosperar nesse ambiente retro-alimentado pelo seus  espelhos?
  • Onde está o incentivo para eliminar contas falsas, notícias falsas, exércitos de trolls pagos, e “bots dispépticos”?

Como nosso ecossistema informacional foi destruído, colocamos muito pouco ônus sobre os mais de 2,5 bilhões de usuários do Facebook e do Twitter. Portanto, agradeço – tal qual Hommer Simpson – à minha consciência por distribuir parcela da culpa ao usuário médio, que fez do Twitter, do Facebook e outros ambientes algo muito mais rude que o infantil Orkut, algo muito menos empático, e algo muito mais tribal. Temo que nossa confiança em grandes empresas de tecnologia esteja arruinando nossa capacidade de espiritualidade, transformando-nos em extensões eletrônicas – no sentido de binárias, ou em português tangível, em extensões simplistas, de ação e reação – de suas máquinas de processamento. Como cético confesso, tenho o dever de determinar muito bem o termo espiritualidade citado: por favor não o confunda com religiosidade. 

  • Religião exige e espera de um crente um comportamento vital, e por tal retidão comportamental – calcada em alguma regra escrita por algum sábio – uma recompensa posterior, nem que esta seja após a morte.
  • Espiritualidade eu compreendo e trato como a propensão humana de buscar significado para a vida por meio de conceitos que transcendem o tangível, ou seja, o processo de procura de um sentido de conexão com algo maior que si próprio, seja o campo para um camponês, uma pedra a beira do rio para Shidarta, ou o próprio Universo para mim. 

A tecnologia, como já explanei em podcasts anteriores não é determinista, ela apenas age como ferramenta, como instrumento para os desejos de nossa mente humana. Conglomerados tecnológicos não entendem a magia da consciência humana, pois além de imersiva, ela é incontrolável e mercadologicamente intangível, e portanto, a destroem de forma imprudente. E se não nos prepararmos por meio da compreensão e entendimento do que hoje ocorre com a raça humana, neste grande hiato histórico que a tecnologia de informação propiciou, podemos cair no fosso sem fim que defino nesta frase: 

“Se você não faz parte da solução, não haverá solução”.

O Ex-Libris, um podcast rápido e ligeiro, hoje nem tanto, sobre Comportamento Humano, acabou. Se você gostou do Ex-Libris faça como a AMB3 Gestão Ambiental, ajude na divulgação e manutenção deste projeto. Lá no site idigitais.com você tem mais detalhes sobre como o fazer isso. Você pode ainda ajudar o Ex-Libris divulgando este episódio entre seus amigos, dando umas estrelinhas lá no iTunes, palmas no anchor.fm e nos outros agregadores nos avalie do jeito que eles permitem. Essa atitude ajuda muito a manter este podcast e também a nossa sanidade.

Saúde, paz, grato pela companhia e até a próxima.

Ex-Libris, inteligência com propriedade.

Transcrição Ex Libris – S01e11

[Política] – Does the Winter is Coming?

O Homem de bem contra tudo isso que está aí ou Quando a nau sai do controle por absoluta falta não de vento, tripulação ou capitão, mas de leme.

Olá, eu sou Sérgio Vieira e este é o 11º episódio da primeira temporada do Ex-Libris, um podcast rápido e ligeiro sobre Política, Comportamento Humano, Ciência, Tecnologia e Cultura. A cada episódio um tema. Seja bem vindo e espero que o Ex-Libris esteja atendendo suas expectativas. Para eu saber se estou acertando eu preciso ouvi-los também. Assim, aguardo sugestões, dê um pulo lá no idigitais.com e deixe seu comentário no post deste episódio, na sua transcrição ou ainda envie um email para [email protected].
O Ex-Libris está disponível em 11 agregadores e serviços: Anchor.fm; Apple Podcasts; Breaker; Castbox; Google Podcasts; OverCast; Pocket Casts; RadioPublic; Spotify; Stitcher e a novidade: Youtube. O endereço rss e todos os links estão publicados na 1ª página do idigitais.com
Recebi feedbacks solicitando que eu faça a escalada ou seja que eu cite ao menos o tema que será tratado em cada episódio, pois isto ajuda – conforme a dica que recebi – o envolvimento do ouvinte. Então… Começa agora o Ex-Libris sobre Política de 23 de out de 2018, um pouco atrasado…

O Homem de bem contra tudo isso que está aí ou Quando a nau sai do controle por absoluta falta, não de vento, nem tripulação ou capitão, mas de leme.
O titulo do podcast de hoje é: Does the Winter is Coming?
Pois então, a resposta é sIm.
O Ex-Libris, um podcast rápido e ligeiro, hoje sobre Política, acabou. Não, peraí… não é nada disso, ou pelo menos não é algo tão simples assim…
Antes de acabar e para falar do presente e do futuro, tenho que voltar um pouco no tempo. Senta que lá vem história…

PSDB e PT protagonizaram a partir de 1994 o cenário político nacional, não deixando espaço para mais nada, apenas duas dezenas de partidos de aluguel, exceção ao PMDB, o mais fisiológico dos partidos desde da era pós-Sarney. Neste fim de 2018, quase 25 anos depois, ambos ex-protagonistas agonizam em suas próprias culpas inconfessáveis, ao menos publicamente. Em 2014 estes dois partidos cristalizaram a disputa do poder maior e como tudo indicava iriam manter, como mantiveram, essa dualidade: ‘nós’ versus ‘eles’, mesmo que o ‘nós’ incorporasse o PMDB, que antes estava incorporado ao ‘eles’. Tudo sempre foi uma questão de matemática, e benesses, cada um dos dois partidos possuía cerca 20% dos votos do eleitorado então, o PMDB era – com seus históricos 10% – o fiel da balança desde Collor. Obviamente os pequenos partidos se agregavam – hora de um lado, hora do outro – no famoso fisiologismo de balcão. Ou seja, “eu voto com você e você me facilita uma obra, um empenho financeiro, uma indicação, alguma coisa”.  Daí pra sair do ‘ajutório’ de uma aprovação para 2 turnos presidenciais, e se transformar em uma mensalidade perene foi um pulinho eleitoral (bancado por uma máquina azeitada a dinheiro privado abastecido por obras estatais).

O governo do PT mesmo tendo vários de seus líderes envolvidos, citados, processados, encarcerados, sobrepujou (não me pergunte como) o escândalo do Mensalão em 2005, conseguiu reeleger em 2006 o Presidente, mas eles não estavam mais tão impolutos como em 2002.
Algo cheirava mal – “mas sempre cheirou”, diziam alguns, outros diziam que “agora o cheiro é bem pior que o do anterior” – mas isso não importava muito naquele momento, o Mundo estava enfrentando o tsunami das primes e aqui Lula, lá na praia construía seu castelinho enfrentando apenas marolinhas.

Todo mundo ganhava dinheiro, a economia ia forte e pujante, a brasileirada lotou os voos para Orlando, teve habitueé que não gostou da invasão da classe média nos aeroportos e nos arredores da Oscar Freire, mas o comércio, a indústria, os bancos a-do-ra-rão… e por ai se construiu a eleição de Dilma Roussef, conduzida pela mão do incensado Lula. Afinal, tem que ter muita moral para pegar uma burocrata, bem marromeno, e transformá-la na mãe do PAC, o programa que iria alavancar o Brasil para o futuro nadando no petróleo do pré-sal e sem dívida externa. Mas a economia mundial… hum, foi de mal a pior, e a queda nos preços das commodities brasileiras acentuou-se em 2013, acabando com nosso ciclo virtuoso de crescimento.

O governo do PT em seu terceiro período presidencial, patinava, não estava mais empolgando aqueles que deram 85% de aprovação ao Presidente anterior e no início de 2013, 79% de aprovação a Dilma. A mesma Dilma que em junho de 2013 amargava uma aprovação de 55% e já em julho míseros 31%. Mas o que aconteceu em Junho?
O movimento que começou como simples protesto contra o aumento da tarifa de transporte público em São Paulo, algo localizado, de âmbito da Prefeitura, cresceu, pois envolvia o Estado, além do ônibus municipal havia o metrô estadual. Os estudantes nas ruas e a repressão exarcebada da PM de SP foram como gasolina na fogueira, quanto mais a PM batia mais gente nas ruas de São Paulo, mais capitais entravam na onda, mais cidades protestavam e uma frase comum ecoava em todas manifestações, sem exceção: SEM PARTIDO, SEM PARTIDO.

Qualquer militante que ousasse levantar um cartazinho que fosse com símbolo, sigla, qualquer coisa que ligasse a um partido era reprimido na hora pelos participantes aos gritos de SEM PARTIDO.
A coisa chegou ao ponto da população ocupar a Esplanada e o Congresso Nacional exigindo tudo o que era possível e o que podia, e uma certeza TEM QUE MUDAR TUDO ISSO.

Nascia ali o mote para uma processo inédito… nem o Ocuppy Wall Street contra a iniqüidade econômica global, dois anos antes, foi tão espetacular na indicação daquilo que viria nos surpreender nos anos seguintes.
Os políticos – diante de tal movimento popular, espontâneo e vibrante – como sempre, fecharam-se em copas. Afinal como dizia o político e sábio Ulisses Guimarães, o que o político mais teme é o povo na rua. Depois de muitos manifestantes e jornalistas feridos e presos por atos de vandalismo de um auto intitulado Black Block, que assim como surgiu, sumiu, da descoberta de oficial militar infiltrado em grupo de vandalismo, e a cereja do bolo: a prisão, processo e condenação de um morador de rua por portar um vidro de pinho-sol durante as manifestações, estas foram arrefecendo graças aos panos quentes, ou seja, as promessas de mudanças encaminhadas pela Presidência para um Congresso já assustado e que também já demonstrava sinais de rebeldia. O movimento político deu resultado e as coisas entraram em regime de calmaria já em agosto tal qual estavam em maio de 2013. Aparentemente, apesar dos ventos econômicos contrários vindos do exterior o governo Dilma terminou 2013 sem outros grandes sustos…

Até Março de 2014, quando a prisão de um doleiro – já bem conhecido por um escândalo anterior envolvendo a inciativa privada e o governo paranaenses – detonou a Operação Lava-Jato (na transcrição deste episódio tem o link para a linha do tempo completa desta operação  que expôs de vez ao público leigo como a máquina do Estado funciona de verdade. E em pleno ano eleitoral, meu deus do céu! A devassa iniciada pelo juiz Sérgio (êita nome supimpa) Moro – fez com que a elite brasileira (que por acaso, é algo assim como ‘os vendilhões do templo em associação com seus sacerdotes’, só para usar uma figura de linguagem bíblica)… emitisse por meio de suas confederações nacionais sinais de que todos deveriam operar em modo “oh shit”. Pouco adiantou, o governo Dilma surpreendeu alguns e apavorou mais ainda outros, não interferindo em momento algum nas operações da PF a mando do Juiz Sérgio Moro. O modo “oh shit” mudou para “full shit red alert!

O PSDB 2 – aquele que não passa direito por São Paulo, e nem perto de certo apartamento em Higienópolis – esfregou as mãos e disse com todas as letras: Mercado, agora somos nós! E o ipanemense Aécio foi a luta.
Enquanto isso, na sala da Justiça, o Ministro José Eduardo Cardozo declarava “que não caberia a ele controlar as operações da Polícia Federal, e que, apesar de submetida ao ministério por ele administrado, ela teria autonomia para investigar dentro dos limites da lei”.

A briga foi intensa entre PT e PSDB, o antagonismo foi aos extremos, um lado transformou o outro em salgadinho e o outro lado transformou o ‘um’ em personagens da Disney. As torcidas se digladiaram na Paulista, famílias se dividiram batendo panelas, baldes de matéria fecal foram jogados por ambos os lados em seus ventiladores midiáticos, acusações de lava-jato trocadas (você tem apoio de corrupto, o teu partido também), tintas fortes pintaram os azuis e os vermelhos… parecia o festival amazônico de Parintins, só que violento.  Juntos, enlameados ambos finalizaram um 2º turno, por um caprichoso destino, abraçados na praia… e por apenas 3,2% (coisa de 3 milhões e 400 mil votos) Dilma teve seu cargo garantido.
A presidenta teve seu calvário iniciado por uma série de decisões desastradas e declarações cada vez mais caóticas e sem sentido lógico algum – olha só o p.ex.:

“Eu acredito que nós teremos uns Jogos Olímpicos que vai ter uma qualidade totalmente diferente e que vai ser capaz de deixar um legado tanto… porque geralmente as pessoas pensam: ‘Ah, o legado é só depois’. Não, vai deixar um legado antes, durante e depois.”

E por aí a Dilma ia… Em 2015 numa manobra do grupo fisiológico, e hoje sabido de desague de um dos propinodutos, fez com que o Deputado Eduardo Cunha fosse eleito presidente da Câmara. Um de seus concorrentes, hoje protagonista de destaque recebeu apenas 4 votos.
A lava-jato ampliou seu estrago: A delação de Nestor Serveró ex-diretor da Petrobras abre caminho para a prisão de muita gente; inclusive do senador Delcídio Amaral por tentar atrapalhar as investigações; assim como de Andre Esteves do BTG-Pactual; Teori Zavascki, do STF, autoriza a investigação de 47 políticos. Ele também retirou o sigilo da lista dos investigados; André Vargas (PT do PR) e Luis Argolo (Solidariedade da BA) são presos por corrupção e lavagem de dinheiro; é decretada a prisão de vários empreiteiros como Otávio Marques, presidente da grande Andrade Gutierrez e Marcelo Oderbecht presidente da maior ainda Oderbecht que até hoje possui algumas cartas na manga. A lista é longa… coisa de um centena e meia até hoje. Mas na época bastou para o modo “full shit red alert” do esquemão empresariado mais congresso mudar para: stop that shit NOW!”

Creio que a decisão político-econômica que acabou por despedaçar o governo Dilma foi a desoneração dos impostos para a indústria, em setembro de 2015 – a bagatela de 458 bilhões de reais ao longo de 4 anos.
As confederações sorridentes se comprometeram com o governo a baixar os seus preços para aquecer a economia em troca da desoneração de impostos… Você baixou seus preços? Pois então, nem eles.

E como farinha pouca, meu pirão primeiro.
As empresas embolsaram o lucro e as desonerações, e investiram no mercado financeiro, no PMDB e em todo o baixo clero fisiológico da Câmara (dizem as más línguas que até juízes supremos entraram na festa, mas aí é dar voz a boatos… como não há provas, vamos deixar pra lá).
Por fim, e sem que a Dilma pudesse fazer qualquer coisa, o empresariado mandou um sonoro: “TIVIRAÍ” PRESIDENTA.

Nem a própria Dilma, nem os ministros e na verdade, nem o próprio PT se ajudavam. Tudo era uma zona, um caos e para ajudar o Moro não largava a canela do Lula desde os meados de 2015; fazendo a alegria da mídia e da turma que depositava no PT as culpas e ódio por suas perdas de poder aquisitivo e de prerrogativas em contratar empregados a custo equivalente a 10% de cartas de alforria. Com o apoio também do PSDB do Aécio – ainda magoadinho por ter perdido as eleições – o centrão e os afastados do poder urdiram um movimento de esvaziamento político e econômico do governo muito mais agressivo que o perpetrado desde 2002. Este novo movimento visava quebrar a coluna do PT ainda durante o mandato, através da prisão de Lula ou de um impeachment da Presidenta, e assim estancar a sangria com supremo com tudo, delimitando tudo.

Tudo arranjado com o vice-decorativo para que ele, em algumas semanas, escrevesse permanentemente as palavras imortais que flutuavam em sua mente [http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/12/leia-integra-da-carta-enviada-pelo-vice-michel-temer-dilma.html] “Verba volant, scripta manent” deu-se início a um processo político de golpe perfeitamente engendrado utilizando-se as franjas das leis administrativas que nunca haviam sido observadas por nenhum outro ocupante do cargo e que sustentou a decisão da Câmara, sob o comando do Eduardo Cunha, de abrir o processo de impeachmeant.  A manobra foi juridicamente bem urdida – se bem que não há até hoje unanimidade entre os juristas sobre a legalidade da peça – e não me venha falar que isso saiu da cabeça de algum deputado que eu vou rir na cara do Hélio Bicudo, do Miguel Reale Jr e da Janaina Paschoal.
O desfecho, todo mundo lembra, em 31 de agosto de 2016 muita gente pulou, gritou, sorriu, chorou, comemorou como se fosse a conquista de um campeonato mundial de futebol.
“Agora sim, tudo vai mudar, tchau quirida, agora tudo se ajeita”

E… o Temer começa o seu (des)governo de cara propondo – conforme agenda do mesmo grupo que apoiou o impeachment e a sua manutenção no cargo – um reforma trabalhista que.. ummm… em português tacanho: funhanhou com todo e qualquer trabalhador brasileiro. É meu caro, assim… quando você, ou qualquer um dos outros 14 milhões de desempregados deste país, conseguir uma vaga, descobrirá o tamanho da sua perda de segurança trabalhista e de seu valor no mercado. Pois mesmo sendo cortadas algumas modificações, o que foi aprovado em julho de 2017 é um terror.

Temer e seu grupelho na Câmara liderado pelo mesmo Eduardo Cunha ainda conseguiu aprovar a PEC do Teto (ideia do Henrique Meirelles, lembra da agenda?), PEC que congelou por 20 anos o orçamento da União, permitindo apenas a correção pela inflação. Ou seja, se houver crescimento econômico neste período, não há possibilidade de revisão do congelamento. Bacana, né?

A reforma da previdência social proposta pelo governo Temer – na verdade foi bolada e sustentada, de novo, pelo Henrique Meirelles – iniciou-se em 2016 com a PEC 287, que propunha alterações no sistema previdenciário brasileiro, modificando as regras de aposentadoria. A tramitação da reforma foi suspensa pelo governo em 2018, tanto pela falta de votos (ou seja, apoio do Congresso) que a fez patinar nos escaninhos, como também pela intervenção federal no Rio de Janeiro, cujo período de vigência impede, por força de lei, que a reforma seja aprovada.

Para se ter uma ideia de quão querido é nosso atual presidente decorativo temos seus índices aproximados de aprovação pela população a cada semestre (nem vou apresentar os índices de rejeição, são humilhantes).
Em junho de 2016 o índice de aprovação do Temer era de 13%; em janeiro de 2017 manteve-se em 13%; já em junho de 2017 o índice caiu para 5% e manteve-se assim em janeiro de 2018; em junho agora de 2018 Temer amargava 4% de aprovação. Os dados sugerem algo bem claro, não?

Desde que assumiu a presidência, o governo e seus pares, sejam legislativos de qualquer matiz, executivos de qualquer calibre ou judiciários de qualquer vara, não deixam passar uma semaninha sequer sem sacrificar a população, seja torrando a grana do contribuinte, seja manipulando poderes e benesses entre bancadas, em atitudes comezinhas de nepotismo e de locupletação explícita… Mesmo com a Lava-Jato comendo solta a turma não parou de roubar! Se bem que neste ano eleitoral estão enchendo o Sérgio Moro de Lexotan, só pode. A Lava-Jato anda murchinha, murchinha.

Ao longo desses anos o grau de insatisfação com o status quo só ampliou, e todos os partidos – como o destruído PT, o desatento PSDB, o pululante PMDB que mudou de nome para tirar seu da reta e das manchetes (como outros tantos partidos sujos demais que nem um lava-jato resolve) até as dezenas de nanicos parasitas que orbitam os primeiros – acharam que as eleições de 2018 seriam exatamente a mesma coisa que das outras vezes: Nós versus Eles. Um outro azul… mais clarinho contra um vermelho.. bem desbotado.
“É uma baba, basta fazer uma puta coligação gigantesca pegar um monte de segundos somar tudo e teremos toda a mídia legal ao nosso dispor, e o resto fica com alguns segundos. Vamos sufocar a concorrência”, diziam os tucanos
Enquanto a estrela solitária avaliava: “Vai ser difícil mas nós temos o mártir, o novo Mandela, o povo irá conclamar e garantirá a sua liberdade neste processinho sem suporte, não terão coragem de encarcerar um líder de tal estatura, afinal há 2 anos a justiça definiu que até a 4a e última instância pode-se responder em liberdade. O grande presidente estará apto a combater o bom combate e se eleger depois de 8 anos”.

Os dois lados se armaram poderosamente para o enfrentamento ao longo de pelo menos 18 meses e… se esqueceram de 2 pequenas coisas:

  • Se por um lado o poder pode ser manobrado;
  • Pelo outro, quem tem poder de voto é o povo.

O judiciário supremo há anos politizou-se a ponto de ser – em vários e conhecidos casos estaduais – extensão plena do executivo e legislativo. Os poderes no Brasil, há muito, não se equilibram em prol do Estado, eles se alimentam do Estado.
Então, a forma mais fácil de manter a agenda lá das confederações, do Jucá, com tudo, é inibir a acensão dessa estrela, ou melhor, obscurecer o seu brilho, mantendo-a encarcerada. E assim foi feito. Alguns ministros supremos retromictaram, elegantemente, e um plano perfeito soçobrou assim como uma derrota municipal. O Plano B era temerário, mas havia esperança na militância do paralelo 5 e esta correspondeu.

Por sua vez a grande coligação articulou bem e com pulso firme preparou inúmeras peças publicitárias a um custo absurdo para garantir sua posição no 2º turno, com sorte – apostando no grande sentimento de rejeição ‘deles’ – poderia levar a eleição no 1º turno.

Nunca estiveram tão equivocados, a grande coligação conseguiu míseros 5% do eleitorado. Ato contínuo todos os nanicos que coligavam-se aos tucanos, correram celeremente, como minions, para o lado do ex-capitão, inclusive alguns tucanos. Ou seja, podemos afirmar com certeza que em caso de vitória de Bolsonaro, muito provavelmente, em termos de maioria e governabilidade no Congresso, fica tudo como dantes no quartel d’Abrantes.

A preocupação de uma parte dos 13 postulantes ao cargo de presidente do país era um deputado federal, sem partido, sem proposta, sem história, só de posse de seu armamento de estultices preconceituosas, belicosas, homofóbicas, racistas e qualquer outro grau de degenerescência moral e ética que você possa supor. Para muitos, o ex-capitão era mais um cabo dentre os postulantes. Só que ele carregava algo que eles não tinham: um discurso de não-participação na lava-jato, e de não-participação em qualquer esquema de propina. Um discurso violento, raivoso, cheio de ódio misturado com uma ideia enviezada de defesa dos valores como família, deus, moral e uma ideia de homem de bem… tudo isso alimentado por anos no Facebook e Whatsapp.

Aqui devo ressaltar que sua conduta parlamentar seguia o padrão financeiro-ético-moral de qualquer deputado federal do baixo clero, usava meios oficiais para pequenas viagens de membros de sua família, teve seu patrimônio e de seus filhos aumentando numa taxa de fazer inveja a CEOs de multinacionais, recebia o auxílio-moradia mesmo tendo residência própria em Brasília, essas coisinhas de somenos.

E o mais importante ele possuía ainda uma porcentagem de intenção de voto um pouco diferente daquilo que eles esperavam para um deputado de um partido de aluguel, com um histórico medíocre e apenas dois projetos aprovados dentre os cerca de 640 apresentados em 28 anos. Uma média de 23 projetos por ano e uma taxa de sucesso de 0,3%.
Como um outsider solitário (aqui tenho minhas dúvidas que vou esclarecer já já) faz tanto barulho desde o início do processo de impeachment em 2016? Como ele consegue 6% de intenção de voto já em fevereiro de 2016 e desde junho de 2017 manteve 16% até abril de 2018, pleno ano eleitoral, onde só despontavam Lula e Alckmin como incensados pelos partidos? Que magia envolvia o militar aposentado?

Você lembra dos movimentos de junho de 2013, toda sujeira e lambança postas a olho nu pela Lava-jato, o asco causado por fitas gravadas, as malas e apartamentos cheios de dinheiro sem origem? Você lembra da catarse do afastamento presidencial e do desgosto com o vice empoderado? Lembra do Aécio definindo quem deveria ser aquele que eles pudessem matar? Sabe como se chama isso? Insatisfação plena, completa e absoluta do status quo. Ninguém aguentava mais…

Bolsonaro conseguiu empunhar a bandeira e capitalizar esse desejo, apelando para Deus, para Ordem, para Família, para o pendores conservadores da população esfolada pelo Estado em todos os níveis sociais medianos. O deputado abraçou e professou a figura da insatisfação e o slogan precisamos mudar tudo isso que está ai.

Obviamente, alguns aproveitadores de plantão apostaram no cavalo paraguaio e agora ditam o ritmo da banda… num dobrado que é um alento aos que necessitam de paternalismo verde-oliva.
As classes mais baixas não abriram mão de seu salvador – e digo salvador de verdade – assim como a classe mais alta manteve ainda um namoro com algo novo, mesmo que dentro do PSDB.

Nós da classe média, olimpicamente desprezamos aquele louco.

Mesmo com sua incompetência em formular pensamentos mais elaborados, pois lhe falta estofo intelectual e conhecimento mínimo do que seja administrar algo um pouco maior que uma família de 4 filhos – um que necessita de psiquiatra, não esqueçamos – e desculpe o deslize, uma filha.
Mesmo com nenhum apoio (político ou estrutural – como se nota nas declarações caóticas e desencontradas dos membros do círculo próximo ao candidato), ele conquistou corações desesperados e mentes despreparadas numa cantinela mais que nacionalista, fascista.

Cantinela na qual cabem promessas como exterminar os inimigos do Estado militar-religioso sonhado por ele, de implementar escolas militares e promover algo como a Escola Sem Partido em todas elas. E como ele fez isso? Como eu disse antes, não creio que foi sozinho, nem mesmo na porralouquice. Ele anteviu, ou viram por ele (creio mais nesta 2a hipótese) que o ex-capitão seria um bom polo catalisador:

  • popular: por não se alinhar a nenhum estereótipo de político que permeava os noticiários por quase 4 anos; e
  • disrruptivo: por suas propostas distantes do rame-rame enrolador da policalha, beirando o nazismo para uns e corajosas e honestas para outros.

Ele não tinha o desgaste natural de qualquer Paulo, fosse o Maluf, fosse o da Força, ele era um maluco beleza, que cantava e acreditava na canção de um percentual bastante extremista da sociedade. E se ele conseguisse com seu discurso de ódio atingir um inimigo comum a todos, muito melhor.
Bolsonaro começou – aproveitando a exposição que teve na TV a partir de 2011 – apenas alavancando a sua vidinha na Câmara, defendendo os militares e a revolução, pena de morte, armamento da população, política de planejamento familiar, atacando desde negros, membros do MST e do PT, até gays.

Por essas e por outras alguns militares de carreira, prudentemente, mantém distância regulamentar do ex-capitão há anos.

Pesquisando suas aparições na mídia até 2016 é nítido que Bolsonaro realmente não esperava a chance que começou a se abrir em 2013 e se consolidou nos anos seguintes. Ele até esta data se jogava na busca da sobrevivência como deputado, batendo na tecla dos bons costumes, na religião, na família, e se podendo batendo em gays, negros e qualquer um que ele identificasse como comunista.

A partir de 2014 Bolsonaro passou a frequentar vários programas repetindo sempre as mesmas informações falsas ou exageradas.
No decorrer do ano o discurso foi sendo polido. Ele manteve os mesmos temas e posições. A postura extremista era a mesma, assim como os exemplos repetidos à exaustão por 3 anos, elaborando a defesa de uma rigidez moral torta que afirma até hoje que os heróis da esquerda são ditadores, mas seus heróis – os generais do período 1964-1985… nunca! Ele raivosamente batia no PT, nas minorias, nos comunistas – quem for comunista aí levanta a mão – sempre através de falácias e crenças distorcidas e quanto mais batia mais exposição obtinha.

O Jean Willis mordeu a isca e Bolsonaro achou seu Nemesis protagonizando grandes embates e exposição gratuita ainda maior, conquistando – além da turma do “bandido bom é bandido morto” – os homofóbicos à sua cruzada.
 A mídia fez sua festa mostrando um cara polêmico, meio desajeitado, com língua presa, captando uma boa audiência em seu circo… enquanto isso a mensagem era levada: o cara é honesto, ele fala o que pensa sem filtro, sem medo.

No início de 2016 já com alguns grupos solicitando que saísse candidato, Bolsonaro vai pra frente das câmeras com mais vigor. Em julho daquele ano ele confessa que apenas em março havia decidido ser candidato à presidência, o que motivou seu afastamento da legenda que o abrigava, o PP, e sua ida para o PSC.

Lembra que eu disse que em fevereiro de 2016 ele aparecia com 6% de intenção de voto? Pois bem, este é o primeiro sinal de que “acharam” o ex-capitão e o fizeram candidato. Agora, quem está por trás disso, eu não sei.
Ao longo destes primeiros meses ele ressalta a todo o momento seu isolamento e se distancia dos grandes partidos, sempre demonizando a esquerda, e se aproximando de grupos de direita em todos os cantos do pais, prometendo recuperar a parte boa do período militar, seja lá o que for isso.

O impeachment é o palco que ele precisava para estampar sua postura de direita e ilustra muito bem o seu posicionamento ao parabenizar Eduardo Cunha e outros mais polêmicos, conquistando mais uma ala, a dos militares vitimizados pelo golpe de 1964. Sem parar de fazer contatos e divulgar seus pensamentos, sua candidatura manteve-se estável ao longo do segundo semestre de 2016, devido – compreensivelmente – às eleições municipais.

Em 2017, a coisa toda muda. De cara o deputado apresenta o PL 6944/2017 e a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 347/2017 que não seriam nada demais se ambas não destoassem totalmente de todos os outros seus 640 projetos de lei ou PECs, os quais abordaram temas como segurança pública, benesses aos militares, porte de armas, restrições sociais, ou seja, os temas tão caros ao candidato.

O Projeto de Lei apresentado diz textualmente: “Fica acrescido o parágrafo único ao art. 7º da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, que passa a vigorar com a seguinte redação: Parágrafo único. Nos planos de internet fixa, fica vedada a oferta de pacotes com franquia limitada de dados, de forma que o escalonamento de preços se dará exclusivamente em conformidade com a velocidade de conexão”.

A PEC, por sua vez adiciona o inciso IV ao artigo 102 da Constituição Federal conferindo apenas ao Supremo Tribunal Federal a suspensão de aplicativos de troca de informações via internet.

Gente! O Deputado do dia pra noite virou um CyberAtivista? Claro que não, né?… acho que ele nem sabia o que estava escrevendo. Uma coisa boa pra gente, esse Projeto de Lei. Fim da franquia, preço de acordo com a velocidade da Internet? Uau! A gente deveria apoiar isso, né? Seria ótimo e…

Maravilhoso para quem pretende montar uma gigantesca operação anônima de tráfego de dados usando links domiciliares para mascarar ainda mais o anonimato. E caso fosse pego durante a campanha, a PEC se aprovada colocaria o TSE fora da jogada, a suspensão de uso de qualquer aplicativo de “troca de informações” (aqui cabe qualquer coisa que use a internet não só os WhatsApps da vida) deverá tramitar apenas no STF.
E aqui de novo, eu duvido que essas ideias saíram da cabeçinha do Bolsonaro. Algo muito bem estruturado já estava por trás do candidato lá no início de 2017.

Como estas propostas não andaram até agora lá no Congresso, pode-se considerar como bem plausível o uso de telefones no exterior, detectado nos pacotes de WhatsApp que distribuem as fakenews sobre o adversário, as propagandas a favor do Deputado e até alguns ataques ao próprio Bolsonaro (estratégia bem conhecida no marketing político para criar mais empatia ao candidato). Os sinais que as eleições teriam forte teor de rejeição ao establishment eram já sentidos quando do apoio popular para que o ex-Ministro do Supremo Joaquim Barbosa, ou o próprio Sérgio Moro aceitassem ser candidatos à presidência. Ficou nítido também que, no segundo semestre de 2017 – tendo alcançado 16% das intenções de voto espontâneo – a caminhada de Bolsonaro seria isolada, sem outros concorrentes outsider e sem alinhavar nenhum contato com partidos tradicionais. Na realidade, nem partido ele tinha ainda à época.

O candidato tentou achar um partido que topasse abrigá-lo na legenda (o PSC era incapaz de sozinho segurar a onda legal para lançá-lo candidato).
Após uma aproximação confusa com o PEN que não deu em nada, Bolsonaro acabou fazendo um acordo com o PSL no comecinho de 2018, o que causou uma debandada de vários membros do partido. A exposição de sua relevância nas pesquisas espontâneas seguintes e ao longo do 1º semestre o consolidaram para a disputa.

Lembra que eu disse que os partidos haviam esquecido que quem tem poder de voto é o povo? Então… o povo está literalmente de saco cheio do Estado, e desconfiando de seus agentes e de qualquer coisa que remonte ao poder.
A tentativa de assassinato ao Bolsonaro deu, além da perspectiva humana que ele tanto necessitava, o tempo e a desculpa perfeita para evitar exposições como a sua entrevista na Globo News e que quase lhe causou uns bons milhões de votos. Mais umas 3 entrevistas ou debates que demonstrassem o seu despreparo seriam fatais para sua candidatura. Tão fatais que ele decidiu não participar de nenhum debate, primeiro se escudando em atestados médicos suspeitos, e depois – com a certeza da liderança – declarando que não vai porque não quer mesmo e pronto.

O povo por seu lado deu o recado nas urnas:

“Vocês de novo? Não!”

Tanto que renovou 50% do Congresso Nacional, elegeu inúmeros outsiders regionais, de ex-atores pornôs a pastores evangélicos neófitos, passando por artistas e youtubers.

A crise econômica, os milhões de desempregados nem foram citados nesta campanha que contou com uma expressiva parcela da população que sim, tem um tipo de raciocínio enviezado, calcado em absoluta e total desinformação patrocinada e fomentada pelo esquemão eleitoral do Bolsonaro, que afirmava já em 2016 possuir a maior penetração em mídias sociais do Congresso. O esquema, que já não dá para alegar que foi espontâneo, propiciou a difusão da ladainha:

“vou mudar tudo isso aí, eu não gosto do Lula nem de petista ladrão e comunista que só ferrou com o país, vou votar em quem não está alinhado com esses partidos ladrões como o PSDB, PMDB, PSOL, PDT… e além de tudo o Bolsonaro é honesto e defende os valores cristãos e da família…”

e bla bla bla, bla bla bla. Garanto que poucos eleitores do Bolsonaro sabem o que quer dizer PSL. Mas…

Outra grande parcela votante – e que garante o efeito Teflon ao ex-capitão – por, sim, acreditar piamente no discurso em defesa dos valores cristãos, tais como, misoginia, homofobia, racismo, militarização de qualquer coisa, tortura, pena de morte, extermínio de comunistas (cuidado eleitor do Ciro, na visão dessa turma você é de esquerda). Ou seja, eles são fascistas de carteirinha, só não sabem que têm este rótulo. E claro, como sempre no Brasil, tem a turma do “quero ver o circo pegar fogo”, ou como ouvi:

“Sérgio, até concordo com seus argumentos para votar no outro candidato, seja ele qualquer um que pelo menos jogue o jogo democrático; que votar no Deputado é um salto de fé estúpido, porque ele como exemplo, crente cego na eficácia e fiador de certas políticas completamente apartadas da democracia, segregacionistas e extremamente agressivas a uma sociedade mais informada e multicultural como parte da sociedade brasileira, pode provocar sim o rompimento do tecido social de vez e jogar todos nós num beco sem saída, num turbilhão de violência e tragédias econômicas e sociais. Mas, cara, eu tô cansado desses mesmos pulhas roubando a gente na cara dura. Vou votar no Bolsonaro mesmo, eu odeio o PT.”

Viu o que vocês fizeram? Não foi o Bolsonaro que implodiu a Direita, triturou a Esquerda (desde sempre fragmentada) e pulverizou o Centro (fervilhante de legendas), o ex-capitão ganhou de presente a não necessidade de partidos na política deste país, ao menos nessa eleição. E não adianta se apegar e retuitar as machetes da imprensa internacional – do Financial Times à Fox – estampando que Bolsonaro é o maior risco à democracia atualmente. Ele é… mas foram vocês do PMDB ao PT, do PSDB ao PSOL, do PDT ao DEM que construíram uma sociedade, pelo menos parcialmente, ávida por um governo fascista.

Nós aqui da outra parcela, embasbacados e tentando ao menos entender e salvar algo dos escombros democráticos, que vocês deixaram ao longo das últimas décadas de pilhagem desenfreada, faremos nossa parte.
Vamos tentar nos manter íntegros, unidos, atentos, e bem agasalhados, pois com certeza, “the Winter is coming”.

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S01e11 – Política

s01e11 Facism

Does the Winter is Coming?

O Homem de bem contra tudo isso que está aí ou Quando a nau sai do controle por absoluta falta não de vento, tripulação ou capitão, mas de leme.

Ex-Libris (spin-off do Podcast Impressões Digitais), um podcast rápido e ligeiro sobre Política, Comportamento Humano, Ciência, Tecnologia e Cultura. A cada episódio um destes temas.

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