[Ciência] – Só existe uma raça, a Humana.
Tem cientista que adora as luzes da ribalta, nem que para isso associe genética e raça dando, assim, oportunidade no palco para um bando de malucos festejar e associar a ciência ao racismo da forma mais torta possível.
Olá, eu sou Sérgio Vieira e este é o episódio nº 3 da primeira temporada do Ex-Libris, um podcast rápido e ligeiro sobre Política, Comportamento Humano, Ciência, Tecnologia e Cultura. A cada episódio um tema.
Seja bem vindo e espero que tenha gostado do estilo e formato do Ex-Libris, um spin-off do Impressões Digitais que volta em breve. Aguardo comentários e emails, basta dar um pulo lá no site endereço idigitais.com que tá tudo lá.
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A partir de agora o Ex-Libris sobre Ciência de 25 de set de 2018 começou
Quando geneticistas falam sem o devido cuidado sobre o conceito de raça, arma-se uma confusão dos diabos.
E isso foi o que conseguiu o geneticista David Reich com seu artigo publicado no New York Times de 23 Março intitulado – Como a genética está mudando nossa compreensão da “raça” – no qual ele afirma – já polemicamente – que a chamada ”ortodoxia” da genética faz com que os cientistas evitem investigar, e até mesmo discutir o que para ele é muito claro: que as variações entre as populações humanas existem!
“Não é mais possível ignorar diferenças genéticas entre ‘raças’”, escreveu ele. Ressalvo que em todas as vezes em que ele utilizou o termo raça ele utilizou aspas. Fato este que não alterou em nada a reação dos leitores.
O artigo publicado caiu como uma bomba… todo mundo entrou na gritaria tanto nos círculos acadêmicos como nas ruas, claro. Tanto que uma semana depois de publicado o geneticista teve que publicar um outro artigo em 30 de Março – Como falar sobre “raça” e genética – respondendo aos leitores… o que não adiantou muito, mesmo colocando raça entre aspas novamente.
Nestes tempos em que grupos de supremacia branca estão ganhando força e fazendo abertamente manifestações nos Estados Unidos – e em outros países que é melhor nem nomear aqui -, não é surpreendente que um artigo como o de Reich reacenda paixões.
O escritor de ciência Nicholas Wade, cujos artigos sobre raça foram severamente criticados por geneticistas, respondeu rapidamente: “Finalmente! Um geneticista de Harvard, David Reich, admite que existem diferenças genéticas entre raças humanas, embora ele coloque a palavra raça entre aspas. ”
Wade e Charles Murray, co-autor do livro mais do que controverso The Curve of Bell, são defensores declarados da existência de raças humanas e também da inferioridade do negro. Murray também celebrou a escrita de Reich, embora, ironicamente, quando seu livro foi publicado, entre os geneticistas que o condenaram como um instigador do racismo estava o próprio Reich.
Alan Templeton, um geneticista e estatístico da Universidade de Washington em St. Louis, escreveu um artigo com profundidade e base onde analisa vários grupos humanos e nos dá uma idéia precisa do significado de raça em termos biológicos, sempre apoiado nas variantes genéticas que definem as espécies e não em características como a cor da pele, por exemplo, que são adaptações e que variam nas populações como resultado de mudanças no ambiente.
As raças podem existir em humanos em um sentido cultural, mas os conceitos biológicos de raça devem ser estritos ao demonstrar se essas construções correspondem a categorias biológicas reais de seres humanos. Os conceitos modernos de biologia podem testar a existência ou não de raças humanas usando as ferramentas da genética e aplicando rigorosamente o método científico através da formulação e teste de hipóteses.Com o uso de novas tecnologias no estudo do DNA, pode-se inferir a ancestralidade geográfica dos indivíduos, estudando um grande número de genes e as expressões deles, os alelos.
Em uma análise inicial, usando uma variedade de marcadores em auto-declarados “brancos” nos Estados Unidos, se encontrou principalmente um ancestral europeu; enquanto que os auto-declarados “negros” são basicamente de origem africana, com pouca sobreposição entre os auto-declarados “negro” e “branco”. Seguindo a mesma linha, mas desta vez com uma amostra local de pessoas que se identificaram como e “brancos”, “mulatos” e “negros”, antropólogos brasileiros encontraram uma extensa sobreposição de ascendência africana entre todas as “raças”. Além disso, os auto-declarados “brancos” brasileiros tinham uma ascendência africana maior do que alguns dos auto-declarados “negros” dos Estados Unidos. É claro, então, que as categorias raciais de “brancos” e “negros”, definidas culturalmente, não têm o mesmo significado genético no Brasil e nos Estados Unidos. As inconsistências no significado de “raça” através de culturas e ancestrais genéticos fornecem uma forte razão para uma definição de raça livre da biologia e baseada apenas na cultura.
Logo após a conclusão do projeto do genoma humano, o seu diretor Francis Collins, juntamente com a sua equipe, lançou uma espécie de desafio para que os pesquisadores se dedicassem – com todas as informações de nossa estrutura genética à mão – na resolução de todos os problemas ainda não resolvidos da biologia, da saúde e da sociedade. De especial interesse foram os problemas relacionados às disparidades de saúde entre brancos e negros.
Os Estados Unidos têm investido mais de um bilhão de dólares ao ano em estudos genéticos para encontrar a raiz biológica dessas diferenças. “O que encontramos na literatura publicada entre 2007 e 2013 é essencialmente nada”, diz Jay Kaufman, autor principal do primeiro estudo que examinou os dados genéticos disponíveis que buscavam evidências para explicar a disparidade entre raça e saúde.
Durante anos, pensou-se que as disparidades residiam em um componente biológico fora de alcance, mas quando os avanços da genética permitiram demonstrar que tal componente não existia, o argumento tornou-se tolo e equivocado. Ao analisar por que os negros morrem antes que os brancos, Kaufman diz que, em vez de olhar para a dupla hélice, é necessário questionar o porque da enorme desigualdade social e econômica. Nos Estados Unidos os homens brancos vivem quatro anos a mais que os negros e as mulheres brancas três anos a mais que as negras.
A principal razão para essa lacuna é a doença cardíaca. Mas depois de analisar por seis anos estudos genéticos sobre o assunto e examinar o genoma em busca de possíveis variantes que propiciassem a doença, eles encontraram exatamente o oposto: foram os brancos que mostraram o maior risco. “Gastamos uma quantia enorme de dinheiro nesses estudos que não levaram a nada”, diz Kaufman. Mas então, por que ainda há tanto esforço?
Um motivo – que tem mais a ver com finanças que com a biologia – pode ser encontrado no primeiro medicamento específico para negros, o BiDil uma combinação de dois medicamentos genéricos usados em doenças cardíacas durante décadas. Em 2005, o FDA aprovou as drogas antigas com um novo propósito: o tratamento de problemas cardíacos para uma única raça, os afro-americanos (de acordo com a classificação norte-americana).
Jonathan Kanh, autor de Race in a Bottle escreve extensivamente sobre a história do BiDil. Não há dúvida de que o medicamento atua em negros, embora o problema grave seja que os processos de aprovação do medicamento não tiveram grupos de controle. Os pesquisadores estudaram o BiDil apenas em negros.
Parênteses – Quem conhece o mínimo do conceito “método científico” deve estar se esganando junto com Carl Sagan… – Fechando os parênteses e voltando à pauta, repito:
Os pesquisadores estudaram a medicação BiDil apenas em negros. E se funciona neles não é porque são negros… mas porque – a gente sabe – eles são humanos.
Quem tá ganhando ainda com essa relação raça / saúde é a NitroMed, a empresa por trás do BiDil que conseguiu que a patente que iria expirar em 2007 fosse estendida até 2020.
E assim é com outras doenças, como diabetes atribuída aos mexicanos, que não tem outra explicação além dos problemas da dieta pobre e, novamente, a enorme desigualdade social. Além da escassa evidência científica- que sustenta as disparidades entre a saúde e as “raças” – o problema sério está na disponibilidade de medicamentos, porque a precariedade do sistema de saúde os torna inatingíveis.
Há uma grande manipulação da ciência e de seus resultados, os quais são interpretados conforme interesses nem tanto obscuros. Permitir este tipo de malversação de conhecimento é uma enorme responsabilidade para uma sociedade que deveria garantir a saúde de seus cidadãos, e não distorcer as evidências que indicam que as disparidades raciais em saúde não têm base na biologia. Para transformar tais evidências em um instrumento de dominação racial basta apenas propagar uma ideia: eles têm saúde ruim porque são negros ou hispânicos.
Talvez seja hora de lembrar um pouco sobre a nossa história evolutiva. A origem do homem foi estabelecida na África de onde, e através de muitos movimentos migratórios se espalhou pelo planeta. Por milhões de anos, nossos ancestrais hominídeos evoluíram para o que somos hoje, o Homo sapiens. No processo, muitas trocas genéticas ocorreram entre os diferentes hominídeos que já haviam se estabelecido em diferentes regiões e haviam se formado em diversos grupos humanos. Em um ponto, cerca de 30.000 anos atrás, os neandertais desapareceram, nos tornamos o último hominídeo da Terra, o único remanescente.
E de volta para a discussão inicial da existência de raças com uma base biológica, não cultural, talvez a melhor maneira de ilustrar a enorme mistura que ocorreu em nosso genoma, seria fazer uma análise científica e profunda do fluxo dos genes ao longo do tempo, e advinha? Foi feito!
O fluxo possui diferentes direções geográficas e consequentes misturas. A linha correspondente a África se expandiu em muitas direções, dando e recebendo informações genéticas de todos os outros grupos humanos: europeus, asiáticos, habitantes do Pacífico e das Américas.
A conclusão mais importante do grande quadro genético que foi pintado pelos cientistas ao longo dos últimos anos é que a humanidade atual corresponde a uma linhagem evolutiva cheia de miscigenação. Taí nossos – ainda presentes – genes Neandertais e a descoberta nos ossos de uma mulher de 90 mil anos, do DNA que indica ela ser uma ‘híbrida’ de duas linhagens Homo distintas: metade neandertal e metade denisovano.
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Saúde, paz, grato pela companhia e até a próxima
Ex-Libris, inteligência com propriedade