Transcrição Ex Libris – S01e15

[Cultura] – Do êxtase ao estrelato e deste ao wi-fi.

Como a beleza ofuscou a percepção de uma mente inventiva brilhante e como ela foi desdenhada pelos militares em meio a uma guerra.

Olá, eu sou Sérgio Vieira e este é o 15º episódio da primeira temporada do Ex-Libris, um podcast rápido e ligeiro sobre Política, Comportamento Humano, Ciência, Tecnologia e Cultura. A cada episódio um tema. Seja bem vindo e espero que o Ex-Libris esteja atendendo suas expectativas. Espero também, mais do que ansioso, a sua opinião para saber se estou no caminho certo ou se estou errando muito. Assim, dê um pulo lá no idigitais.com e deixe seu comentário tanto no post deste episódio, como também na sua transcrição ou ainda envie um email para o [email protected].

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Começa a partir de agora o Ex-Libris sobre Cultura de 27 de nov de 2018… Falhei, estou tentando consertar e recuperar o tempo perdido.

No episódio de hoje eu falo sobre uma estória que vai Do êxtase ao estrelato e deste ao wi-fi, ou como a beleza ofuscou a percepção de uma mente inventiva brilhante e como ela foi desdenhada pelos militares em meio a uma guerra.

Uma das lendas de Hollywood dos anos 40 foi Hedy Lamarr, nome artístico da austríaca Hedwig Eva Maria Kiesler, filha única de pais judeus ricos e estabelecidos em Viena, onde nasceu em 9 de novembro de 1914 e cresceu absorvendo a vida cultural e a sofisticação decadente da cidade que vivia o fim do Império Austro-Húngaro.

Seu pai, banqueiro, e de mente inventiva, e curioso,  influenciou o gosto pela tecnologia na pequena “Hedy”. O seu interesse pelas máquinas e sistemas corria em contraste com outra de suas aspirações, provavelmente pela influência de sua mãe, uma pia­nis­ta, razo­a­vel­men­te libe­ral para os padrões da épo­ca e cul­tu­ral­men­te evo­luí­da. Desde pequena, Hedy adorava fingir que estava nos palcos. As pessoas se encantavam com sua beleza, mas geralmente ignoravam seu cérebro científico “não feminino”. 

Para a maior parte do mundo no século XX, a sensualidade e a inteligência pareciam mutuamente contraditórias, se não excludentes. Creio que isso ainda permeia algumas sociedades atuais.

Quando criança Hedy tinha verdadeiro fascínio pelas aulas de química. Depois de uma pas­sa­gem por uma esco­la de tea­tro em Viena, a ambi­ci­o­sa Hedwig com 16 anos fez – sem seus pais saberem – uma série de fotos vestida e nua, e decide então fre­quen­tar em Berlim as aulas do rea­li­za­dor e diretor de cinema Max Reinhardt, com quem tra­ba­lhou como assis­ten­te de dire­ção e atriz secun­dá­ria em dois dos seus fil­mes. Ela mesmo se definiu, anos mais tarde, que à época ela era uma “enfant terrible”, selvagem.

Hedy era extremamente sensual, mesmo na adolescência. Aos 17 anos, em meados de 1932, usando o nome artístico Hedy Kiesler, filmou a produção tcheca “Ecstasy”, lançada comercialmente em janeiro de 1933. Sua estreia no cinema a tornou notória pelas cenas em que aparece completamente nua, e pela primeira vez na tela simular uma relação sexual e um orgasmo! Hedy interpreta uma jovem mulher insa­tis­fei­ta com o mari­do, um sujei­to mais velho e sem gran­de fervor para os assun­tos de alcova. Ela aca­ba por conhe­cer um homem mais novo e des­co­brir o sexo. É uma his­tó­ria típi­ca sobre a per­da da ino­cên­cia, mas a ausên­cia de jul­ga­men­tos mora­lis­tas sobre a liber­da­de sexu­al femi­ni­na e a inde­pen­dên­cia con­quis­ta­da pela mulher o torna um fil­me úni­co.

“Ecstasy” pro­vo­cou um escân­da­lo danado e foi cen­su­ra­do em mui­tos paí­ses, incluin­do os Estados Unidos.  Mesmo usando gran­des pla­nos dos ros­tos, mos­tra expres­sões sufi­ci­en­te­men­te explí­ci­tas para ser condenado pelo papa e banido por Hitler (embora por razões diferentes). Lembre-se, era 1933. Ano da ascen­são dos nacionais-socialistas ao poder na Alemanha. Hitler pres­tava jura­men­to como chan­ce­ler e des­fi­lava pelas ruas de uma Alemanha fali­da e depri­mi­da em grandes para­das e chei­as de orgu­lho naci­o­na­lis­ta.

Os seus pais ficaram chocados. “Na estreia” – diz a biografia Ecstasy and Me, publi­ca­da em 1967 – “olhei para os meus pais na pla­teia e os vi emba­ra­ça­dos, escon­den­do o ros­to atrás das mãos”.

Nota: Hedy sustenta que essa biografia é extremamente imprecisa. Ela contratou escritores para a partir de seus depoimentos escreverem a biografia, com a qual ela não concordou.

Mas muitos outros espectadores vendo o filme entraram em transe, em especial o negociante de armas austríaco Friedrich Mandl, que a perseguiu insistentemente por vários meses até ela aceitar sua proposta de casamento no fim de 1933. Quando eles se casaram, Mandl gastou mais de US$ 300.000 tentando comprar todas as cópias existentes de Ecstasy para que ninguém mais visse sua esposa no filme.

Ninguém sabe direito – além da óbvia sen­sa­ção de segu­ran­ça que o dinhei­ro repre­sen­ta para uma jovem num mun­do à bei­ra do caos – por que razão Hedy deci­diu casar com um homem onze anos mais velho, sem gran­des qua­li­da­des liber­tá­ri­as ou gos­to pelo cine­ma.  Com certeza não foi a insistência de Mandl, que também era um pro­e­mi­nen­te fas­cis­ta de Viena. Ele não tinha qual­quer liga­ção com o Nazismo, mas o espí­ri­to béli­co de Hitler era muito atraente para o seu ramo de negó­cios. Ele nunca usu­fruiu mui­to des­te “casa­men­to” de inte­res­ses: em 1940, fugiu da Alemanha e do Nazismo, e refez a sua vida na Argentina.

Mandl, con­tro­la­dor, manteve a jovem e linda mulher na sua mansão de campo com 25 quartos, por anos e fez dela uma pri­si­o­nei­ra cober­ta de joi­as. Por ele e sobre­tu­do pelo luxo, ela renun­ciou à car­rei­ra de atriz. Tão con­tro­la­dor e des­con­fi­a­do era em rela­ção à mulher que sempre a levava em suas via­gens de negó­ci­os. São estes os pri­mei­ros con­tac­tos de Hedy com a indús­tria do arma­men­to e as suas tec­no­lo­gi­as. Este conhe­ci­men­to seria impor­tan­te, anos mais tar­de. Hedy conhece assim altos ofi­ci­ais nazistas, e tam­bém o fas­cis­ta Mussolini, quan­do o mari­do o rece­be na sua fábrica e em sua sun­tu­o­sa mansão. Todo o tempo Hedy manteve seu conhecimento de tecnologia e química e sua identidade judaica em segredo.

Ninguém pres­tava mui­ta aten­ção à jovem espo­sa do indus­tri­al, exce­to para lhe admi­rar a bele­za; na mai­or par­te das vezes era igno­ra­da. A julgavam estú­pi­da e inó­cua, como pro­va­vel­men­te jul­ga­vam todas as demais  mulhe­res. Falavam dian­te dela sem gran­des cons­tran­gi­men­tos, con­ven­ci­dos de que as con­ver­sas sobre os pla­nos estra­té­gi­cos para o rear­ma­men­to do exér­ci­to ale­mão não eram do seu inte­res­se nem estavam ao alcan­ce da sua com­pre­en­são.

Talvez estes tem­pos tam­bém tenham con­tri­buí­do para a visão sóbria e desen­can­ta­da do papel que Hollywood reser­vava às mulhe­res, quan­do, mui­tos anos depois, Hedy Lamarr afir­mava: 

“Qualquer garota pode ser fascinante. Tudo que ela pre­ci­sa fazer é ficar parada e pare­cer estú­pi­da.”

Hedy não foi estú­pi­da e nem ficou parada. Preparou-se para dar um gol­pe no mari­do e recon­quis­tar sua inde­pen­dên­cia longe do nazismo.

As con­ver­sas no cas­te­lo com os nazistas indicavam que a Alemanha se enca­mi­nhava para a guer­ra destruindo o máximo de judeus, se possível. Para fugir da catás­tro­fe e de um mari­do pos­ses­si­vo e con­tro­la­dor, disfarçou-se de cri­a­da, pegou todas as joi­as da casa e fugiu para Paris. Onde con­se­guiu o seu divór­cio.

De Paris Hedy foi para Londres, lá, um agente de cinema a levou a um hotel para encontrar “um homem pequeno”, como ela mais tarde se lembraria dele – Louis B. Mayer, o chefe da Metro-Goldwyn-Mayer que estava comprando atores e atrizes europeus que fugiam da esfera de ação nazi-fascista. Mayer fez for­tu­nas com o negó­cio do cine­ma não por aca­so. Sabia mui­to bem como vender suas atri­zes: sexo, como é óbvio, mas bem embru­lha­do em papel puri­ta­no.

Hedy não falava inglês, apenas algumas frases, e diante da sua beleza e já sabendo de sua aparição em Ecstasy ofereceu um contrato de US$ 125 / semana, o qual Hedy rejeitou de imediato, levantando-se e saindo da sala.

Sabendo que Mayer voltaria para Nova Iorque no transatlântico Normandie ela não teve dúvida e comprou uma passagem no mesmo navio. Durante a viagem, produziu-se e foi ao salão de jantar de modo que Mayer e sua entourage, a vissem… Não deu outra, Hedy foi convidada a sentar-se à mesa do chefão do estúdio.

Durante a viagem as bases contratuais foram renegociadas, afinal Mayer não podia perdê-la para a concorrência, e assim Hedy já Lamarr – por sugestão da própria esposa de Mayer, pois este não conseguia pronunciar o sobrenome Kiesler, Kaisler, Kesler… – desceu do Normandie em Nova York para o flash das lâmpadas dos fotógrafos, com um novo nome e um contrato com MGM de quinhentos dólares por semana.

Hedy Lamarr é lan­ça­da por Mayer, por insistência de mais um arrebatado pela beleza de Lamarr, Charles Boyer – para fazer o papel de ‘bele­za exó­ti­ca’ em “Algiers” (lançado em 1938), um fil­me que já estava em produção ape­sar de ain­da não haver uma atriz prin­ci­pal. 

Mayer aproveitando a frase do diretor alemão Max Reinhardt que a considerava “a mulher mais bonita da Europa”, a vendia como “a mulher mais bela do mun­do“. Nos dez anos seguin­tes, ela rei­nou na meca do cine­ma como “uma diva de már­mo­re frio”, segun­do ela pró­pria. 

Na sequên­cia do suces­so do seu primeiro fil­me em Hollywood e com os jor­na­lis­tas a questionando sobre o fil­me pro­fa­no – Ecstasy – Lamarr, em nome da moral e dos bons cos­tu­mes, fez o que mui­tos antes dela fize­ram: men­tiu, evitando o escân­da­lo. Ela jurou aos repór­te­res ter sido enga­na­da, sofri­do ame­a­ças, chan­ta­gens, que qui­se­ram responsabilizá-la cri­mi­nal­men­te pelos pre­juí­zos nos cus­tos de pro­du­ção, caso não tives­se con­cor­da­do em tirar a rou­pa.

Anos mais tarde, o ope­ra­dor de câma­ra de “Ecstasy”, Jan Stallich, a desmentiu: “Quanto à estre­la do fil­me, ela sabia que teria de apa­re­cer nua em algu­mas cenas. Isso nun­ca a inco­mo­dou duran­te a pro­du­ção”.

A mag­ni­tu­de do bri­lho de Hedy Lammar em Hollywood ilu­mi­nou uma América em guer­ra, neces­si­ta­da de mulhe­res for­tes e inde­pen­den­tes: de «Algiers», de 1938, ao últi­mo suces­so da sua car­rei­ra em Hollywood  – “Sansão e Dalila”, de 1949 – suas atuações típi­cas são sem­pre de mulhe­res sexu­al­men­te agres­si­vas e inde­pen­den­tes, embo­ra inva­ri­a­vel­men­te “sal­vas” da mora­li­da­de dúbia pelo amor.

Quando a guer­ra aca­bou e os homens regres­saram para casa, as mulhe­res foram pro­gres­si­va­men­te con­vi­da­das a dei­xar os pos­tos de tra­ba­lho que havi­am pre­en­chi­do e a vol­tar para as suas cozi­nhas. O tipo femi­ni­no que Lamarr repre­sen­tava já não era tão dese­ja­do. A estre­la defi­nhou e outras, como Marilyn Monroe, estavam  a passos de ocu­par o seu lugar no pan­teão. Che­garam a dizer que ela tinha seios dema­si­a­da­men­te peque­nos. Em 1958, Lamarr retira-se do cine­ma para não nunca mais vol­tar.

A vida glamurosa e selvagem de Holywood, e os romances da belíssima atriz obliterou a faceta técnica de Lamarr, que tinha como hobby favorito desmontar e consertar equipamentos, pesquisar novos produtos químicos.

Assim que a Segunda Guerra Mundial começou ela passou a imaginar formas para ajudar a causa dos Aliados. Trabalhando em seu laboratório caseiro ou em seu trailer no set, ela chegou a criar novos designs para os aviões de um de seus inúmeros namorados: Howard Hughes.

Seu pai já havia falecido na Austria e sua mãe havia conseguido chegar a Londres. As notícias dos estragos feitos pelos U-boats alemães afundando indiscriminadamente qualquer navio no Atlântico a deixava horrorizada. Os submarinos alemães pareciam inalcançáveis, os torpedos lançados contra eles eram desviados por interferência nos sinais de comando dos navios aliados. 

Assim aos 26 anos, no auge da sua fama, em cola­bo­ra­ção com o pia­nis­ta vanguardista George Antheil, Lamarr pro­põe uma for­ma de aju­dar a deter Hitler: um sis­te­ma secre­to de comu­ni­ca­ções de lon­ga dis­tân­cia que per­mi­te a um tor­pe­do não sofrer interferência em seus comandos por ondas de rádio, impe­din­do a sua inter­cepta­ção. 

Essa foi a sua invenção mais significativa.

Lamarr e George conheceram-se numa fes­ta em Hollywood. Os dois brincavam, ele ao pia­no e ela repe­tin­do as mes­mas esca­las. A mente inquieta e perspicaz de Lamarr percebe que, tan­to na inte­ra­ção entre os dois atra­vés do pia­no como na pró­pria fala, estamos sem­pre a tro­car frequên­ci­as. Conversando com o compositor George, constataram que era possível alterar a frequência da mesma forma como se mudam as notas em um piano. 

Um controle sem fio para rádio deu o impulso final para Hedy. O trambolho fabricado pela Philco era uma caixa grande com um disco de telefone na face superior, você discava um número e um sinal sintonizava o rádio na estação previamente codificada para o número. 

E assim ela definiu o con­cei­to de frequence-hooping, ou alternância de frequência, em 1941. Ambos passam a trabalhar no desenvolvimento do que chamaram de Sistema Secreto de Comunicações, base­a­do em 88 frequên­ci­as – não por acaso o mes­mo núme­ro de teclas do pia­no – e em rolos de papel per­fu­ra­do, coor­de­na­dos de manei­ra seme­lhan­te ao méto­do que George usa­ra na década de 1920 para operar 16 pia­nolas na peça Ballett Mécanique. 

O sis­te­ma foi apresentado como uma forma codificada de radiocomunicação capaz de orientar com segurança os torpedos aliados para seus alvos. Para os militares Lamarr era ape­nas uma carinha boni­ta de Hollywood e George come­teu o erro de expli­car a ideia fazen­do uma ana­lo­gia entre as frequên­ci­as do tor­pe­do e as teclas do pia­no (de onde eles tiraram a ideia do sistema) o que não ajudou muito a compreensão dos militares que não conhecem música muito bem, como notamos quando ouvimos as marchas militares. Brincaram com eles até, dizendo: “vocês querem colocar pianolas nos torpedos?” 

Se a Marinha norte-americana tivesse pres­ta­do aten­ção às idei­as de Lamarr tal­vez a sua con­tri­bui­ção teria sido mais subs­tan­ci­al do que o pro­du­to de uma ven­da de bei­jos a peso de ouro. Os militares ignoraram completamente a invenção de George e Lamarr e disseram à estrela, que ainda não era cidadã americana – o que ocorreria somente em 1955 -, que seria melhor vender títulos de guerra, o que ela acabou fazendo.

Auge da guer­ra, auge da fama e da frustração com os militares: mesmo assim Lamarr deci­de aju­dar o esfor­ço de guer­ra ame­ri­ca­no ven­den­do um bei­jo por 50 mil dóla­res. Ela consegue 7 milhões de dóla­res numa úni­ca noi­te. Deve ter sido o recorde de beijos em uma noite: 140.

A paten­te de sua invenção foi acei­ta em meados 1942, com os direi­tos gra­tui­ta­men­te cedi­dos ao exér­ci­to por um perío­do de cin­co anos, mas nin­guém pare­ceu ficar impres­si­o­na­do com a tecnologia. 

Ainda durante a guerra o governo dos EUA apreendeu sua patente como propriedade “estrangeira inimiga”, porque o engenheiro Robert Price, especialista em comunicação a entrevistou no processo de apresentação do sistema, declarou que ela deveria ter roubado os planos da fábrica do seu 1º marido. Onde já se viu uma starletzinha de Hollywood saber mais engenharia que ele?!

Sobre apreensão da tecnologia pelo governo ela disse: 

“Eu era americana o suficiente para vender títulos de guerra, mas sou uma estrangeira quando se trata da minha invenção!”

A invenção de George e Lamarr não che­gou a ser uti­li­za­do na Segunda Guerra Mundial e nem nos anos seguintes. George mor­reu em 1959, no ano em que a patente do sistema expirou, e ele nun­ca ficou sabendo disso nem que a sua des­co­ber­ta e de Lamarr serviu para apli­ca­ções no cam­po mili­tar, e tam­bém nas comu­ni­ca­ções civis.

Hedy nos meados dos anos 1960 descobriu que os militares haviam utilizado sua invenção quando se deu a crise dos mísseis cubanos, em 1962. A tec­no­lo­gia do Sistema Secreto de Comunicações foi usada na trans­mis­são de men­sa­gens secre­tas. Os enge­nhei­ros res­pon­sá­veis por ‘’res­sus­ci­tar” o pro­je­to usaram cir­cui­tos ele­trô­ni­cos, para subs­ti­tuir os papéis per­fu­ra­dos de George Antheil.

Hedy ainda tentou, já sem dinheiro, sem trabalho, custeada por fundos de pensão, exigir algum pagamento pelo uso militar de sua invenção em 1969. Foi informada que legalmente como os militares não utilizaram a sua patente até ela expirar em 1959, ela não teria direito a nada. Pois, de acordo com a legislação norte-americana o inventor tem até 6 anos após a patente expirar para reivindicar o pagamento pelo uso de sua invenção. 

O que ficou bem complicado foi uma descoberta “a posteriori” de que, sim, os militares norte-americanos haviam utilizado sua tecnologia em boias sonares antes de 1959. E pior, o inventor das boias sonares que utilizou esta tecnologia (fornecida pelos militares em 1955) e a reaplicou nos drones utilizados no Vietnam nos anos 60/70 (ahá! Isso você não sabia né?). Então, esse inventor agradece a Hedy o desenvolvimento da frequency hooping em vários artigos publicados num blog que ele mantinha. Não existe mais o blog, mas existem cópias desses artigos. 

Hedy Lamarr se isolou do mun­do e o mun­do foi se esque­cen­do dela. A impren­sa só se deu con­ta da sua exis­tên­cia para noti­ci­ar mais uma plástica ou quan­do a atriz pro­ces­sou a Corel por uso não-autorizado da sua ima­gem no soft­ware CorelDraw 9. A dis­pu­ta aca­bou por ser resol­vi­da por um acor­do extra-judicial sigiloso.

Atualmente os princípios da tecnologia de Lamarr estão incorporados à tecnologia Bluetooth e são semelhantes aos métodos usados ​​em versões legadas de CDMA e Wi-Fi, e em todos os sistemas de comunicação encriptados do setor militar norte-americano. 

Lamarr não ganhou um único centavo com esta inven­ção que hoje rende centenas de US$ bilhões.

O papel cru­ci­al da atriz no desen­vol­vi­men­to das comu­ni­ca­ções de rede sem fios só foi reco­nhe­ci­do publicamente anos mais tar­de. Em 1990 Fleming Meeks, jornalista da Revista Forbes – após entrevistar Hedy – fez um artigo para a seção Science & Technology onde conta a sua estória como inventora da frequency hooping.

Foi a partir da atri­bui­ção da premiação Pioneer Award pela Electronic Frontier Foundation, em 1997, que boa parte do mundo ficou sabendo de sua inventividade. Ela já reclusa se negou a comparecer e pediu a seu filho que a representasse. Ela tam­bém é a pri­mei­ra mulher a rece­ber o Gnass Spirit of Achievement Bronze Award, uma espé­cie de Oscar do mun­do das inven­ções. Seu trabalho a levou a ter participação – póstuma – no National Inventors Hall of Fame em 2014.

No documentário de 2017 produzido e dirigido por Alexandra Dean: “Bombshell: The Hedy Lamarr Story”, acadêmicos e historiadores de tecnologia, juntamente com a família, amigos e biógrafos de Lamarr, apresentam um retrato de uma mulher brilhante, desfeita pela fixação do mundo em seu famoso rosto – um retrato ainda mais afiado e comovente pela inclusão, por Dean, de fitas de áudio recém-descobertas de Lamarr como uma reclusa em seus setenta anos, alternadamente viciada em drogas e charmosa. 

Imperdível… futrica aí nas interwebs que você acha, ou de graça ou ao custo de alguns dólares.

Dean, cineasta, se apaixonou pela estória de Lamarr e declarou: 

“Eu acho que Hedy teve seu maior poder quando jovem – eu não acho que você pode vencer o poder de andar em um salão e ter todas as pessoas perdendo o fôlego ao vê-la. Mas ela não sabia o que fazer com esse poder. E, quando finalmente conseguiu fazer algo incrível para tentar mudar o mundo, ela obteve pouco ou nenhum reconhecimento por isso.”

Lamarr mor­reu sozi­nha, dormindo, aos 83 anos de idade em 19 de janeiro de 2000, em Casselberry, Flórida, sem que o mun­do tenha percebido como foi extra­or­di­ná­ria a sua vida e a sin­gu­laridade de sua per­so­na­li­da­de.

O Ex-Libris, um podcast rápido e ligeiro, hoje sobre Cultura, acabou. 

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Saúde, paz, grato pela companhia e até a próxima.

Ex-Libris, inteligência com propriedade.